São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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A complexa etiqueta do tabagista

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Fumar é tão do peru que nem mesmo a família real inglesa, suposto sustentáculo dos bons costumes de seus súditos, consegue resistir à tentação. Apesar de os membros da família Windsor serem proibidos de fumar em público, a princesa Margareth, irmã mais nova da rainha, não abre mão de afagar os alvéolos de seus principescos pulmões com toda a pompa e circunstância.
Margareth costuma desembolsar cerca de US$ 50 o maço de 20 cigarros –feitos sob medida e embalados em caixa de papel prateado– na tradicional tabacaria Lambert & Butler de Piccadilly Street, em Londres.
O tabagismo "haute couture" talvez seja um dos poucos hábitos em comum entre a irmã de Elizabeth 2.ª e a rebelde súdita Marianne Faithfull, ex-groupie dos Rolling Stones alçada nos anos 60 ao patamar de musa do conjunto, que encomenda seus cigarros na Sobranie, outra tradicional tabacaria que sobreviveu à queda do glorioso Império Britânico.
Os cigarros produzidos pela Sobranie são capazes de encantar até antitabagistas mais ortodoxos. Eles vem em caixas de cinco unidades, com filtros dourados e enrolados nas mais diversas cores, do "shocking pink" ao lilás. Apesar da aparência inofensiva, porém, o Sobranie não tem nada da inocência dos cigarrinhos de chocolate Pan que marcaram a infância da atual geração pré-quarentona. Trata-se de um cigarro arranca-peito de intimidar até os fumantes de Continental sem filtro.
Pausa para acender um Marlboro com isqueiro Zippo.
Ah! O insuperável prazer de abrir a tampa de um Zippo e acionar seu pavio de corda! Ah! A doce inebria causada pelo fluido do Zippo! Trata-se da melhor maneira de dar início ao ritual do consumo de um crivo nicotífero.
O isqueiro foi um hit de vendas nos entrepostos que serviam os soldados norte-americanos durante a 2.ª Guerra e repetiu a dose na Guerra da Coréia.
Infelizmente, Honoré de Balzac viveu no século 17 e nunca teve a satisfação de inflamar o cigarro com um Zippo. Talvez, isto explique as críticas contra o hábito de fumar, expressas em seu "Tratado dos Excitantes Modernos" (Traité des Excitants Modernes).
Antitabagista militante, Balzac intuia que o cigarro não é exatamente o melhor remédio no tratamento da bronquite asmática: "Fumar um puro é fumar fogo."
Considerava o hábito um vício capaz de afetar o desempenho sexual: "Entre a mulher adorada e o tabaco, um dandy não vacilaria em deixar a mulher".
As únicas exceções? "George Sand tinha a chave do tesouro; admito unicamente o `huka' da Índia e o "narguilé' da Pérsia. Em se tratando de prazeres materiais, os orientais são superiores a nós".
O educado Marcelino de Carvalho não precisou fazer concessões para render-se ao costume: "O hábito ganhou foros de cidadania. Não sendo possível combatê-lo, cumpre à sociedade limitá-lo, isto é, estabelecer certas regras que o tornem suportável", ensina em seu "Guia de Boas Maneiras".
Apesar de ter nascido em 1899, quase cem anos depois de Balzac, Marcelino estabeleceu para fumantes uma conduta pré-balzaquiana (no sentido literal, claro).
Senão vejamos: "Os donos da casa oferecem cigarros aos convidados, mas se estes não fumam, devem abster-se". Tradução: quem fuma nunca deve convidar não-fumantes para ir à sua casa. "Nunca seja o primeiro a acender um cigarro à mesa da refeição." Tradução: Se todos seguissem a regra, seria abolido o fumo à mesa do jantar. "Nunca fale com um cigarro preso aos lábios." Tradução: Mickey Rourke certamente não figuraria na lista dos dez atores prediletos do mestre em etiqueta Marcelino de Carvalho.

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