São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994 |
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Klein escreve sobre fascínio do cigarro
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Fora ele, autor de "Cigarros São Sublimes" (Duke University Press, 205 págs., US$ 21,95), só os capitães da indústria do tabaco têm vindo a público enfrentar a fúria da campanha contra o fumo. Mas Klein também bate duro nos fabricantes de cigarros: "Eles mentem e não fazem produtos naturais." Em entrevista exclusiva à Folha, Klein falou sobre as qualidades sociais do cigarro, tema central de seu trabalho, e a possibilidade de "se atingir dois objetivos contraditórios ao mesmo tempo: garantir os direitos absolutos de fumar e de não ser vítima do cigarro dos outros." Klein diz ter escrito este livro, o primeiro de sua vida, para ser capaz de largar o hábito de fumar, "Para mim, não era suficiente saber que o cigarro faz mal. Eu precisava entender por que ele exerce tamanho fascínio sobre mais de um bilhão de pessoas que fumam." "Também não é suficiente dizer que as pessoas que fumam são dependentes da nicotina. A constatação da depndência em si não explica nada. Afinal, outras bilhões de pessoas nunca começaram a fumar ou conseguiram parar. Fumar implica uma disposição persistente de achar algum benefício ou prazer na droga", argumenta Klein. Os cigarros são "sublimes", de acordo com ele, no sentido que o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) deu ao termo: a satisfação estética que inclui uma experiência negativa, um choque, um bloqueio, uma intimidação diante da mortalidade. "A beleza dos cigarros nunca foi entendida ou representada como inequivocamente positiva - sempre foi associada com mau gosto, transgressão e morte. Talvez esteja aí mesmo a fonte de sua atração por tantas pessoas", afirma Klein. Para ele, o valor do cigarro hoje em dia ë "determinado exclusivamente a partir de seus efeitos nocivos: para bani-los, basta dizer que eles fazem mal à saúde. Mas será que esse valor da saúde deve ser o único critério para definir o que é bom ou que é belo?" Klein responde: "Talvez as pessoas possam ter o direito de pesar as vantagens do cigarro contra seus riscos. Afinal, a própria vida é uma doença progressiva, da qual só nos recuperamos postumamente. Se ter saúde é estar livre da doença, só se consegue ser saudável por meio da morte". A mania de alguns americanos de colocar a saúde física como supremo valor social e de tentar forçar toda a sociedade a adotar comportamentos que conduzam a um estado saudável e à longevidade é chamada por Klein de "saudismo" e, segundo ele, ganhou muita ênfase na era pós-Aids. "O saudismo se tornou parte da ideologia dominante nos EUA por razões que parecem alternadamente ingênuas e sinistras. Ele ajuda a mascarar a depredação cometida por uma industrialização cruel e a incentivar os interesses imediatos de alguns setores da economia", diz ele. O livro faz uma admirável interpretação de várias obras de arte que têm o cigarro como tema principal ou acessório: poemas (de Laforgue e Mallarmé, entre outros), óperas ( "Carmen", de Bizet), romances ( "As Confissões de Zeno", de Italo Svevo), filmes ( "Casablanca"). A partir desses trabalhos artísticos, de tratados filosóficos ( "O Ser e o Nada", de Sartre) e da sua própria observação, Klein faz uma lista de qualidades do cigarro, suas vantagens sociais, benefícios que ele traz para as pessoas que fumam. O cigarro oferece consolo em momentos de dor, alivia a ansiedade, diminui o estresse, aumenta o poder de concentração, mitiga a sensação de fome, induz a formas de satisfação estética e de consciência reflexiva, é um instrumento para mediar a interação social ( pode servir tanto para barrar a intrusão de estranhos quanto para sedutoramente convidar à intrusão), está associado a lutas de liberação sexual e política. "Apesar de seus múltiplos benefícios e de sua inegável beleza", argumenta Klein, "o cigarro é vítima de campanha puritana que visa seu banimento da sociedade". Mas ele não acha que isso vá acontecer porque "não há no mundo nenhuma sociedade sem cigarros" e porque em momentos de grave crise social, como as guerras, por exemplos, valoriza-se o cigarro. Klein acha que um dos motivos por que a campanha antitabagista tem tido tanto êxito recente é a crença generalizada de que o perigo de guerra foi eliminado no Ocidente. Em todas as guerras o hábito do fumo foi sempre estimulado como algo não apenas positivo mais indispensável para as pessoas, em especial para os soldados. Um dos capítulos do licro de Klein é dedicado ao papel do cigarro na guerra. Ele analisa todas as passagens com menção a cigarros em livros sobre guerras para daí inferir o que se espera do fumo nesses casos. Outra razão por que Klein não acredita no sucesso absoluto da campanha para acabar com o cigarro é o fato de que a oposição ao fumo é cíclica, de acordo com ele. Houve vários períodos no passado em que o cigarro foi considerado uma desgraça. Em 1896, 26 Estados americanos proibiam o fumo. Depois, como em outras ocasiões, a oposição ao fumo arrefeceu, quase sempre por causa de situações de graves crises coletivas. O apego dos EUA ao conceito de liberdade de expressão é mais um ponto ressaktadi oir Klein a favor da tese de que o cigarro não será proíbido no país: "Fumar não é apenas um ato físico - também é um discurso, uma forma sem palavras mas eloquente de uma pessoa se expressar. É um discurso totalmente codificado, retoricamente complexo, narrativamente articulado, com um vasto repertório de convenções bem entendidas". Mas o principal dado com que ele joga para demonstrar que o cigarro não está abolido dos EUA é o crescimento de seu consumo entre jovens negros e mulheres, grupos sociais que, segundo Klein, estão em guerra. Se o cigarro vai continuar a existir dentro da lei (já que ninguém duvida da sua sobrevivência caso seja proibido), Klein acha que se deve pensar em fórmulas para garantir a convivência dos fumantes e dos não-fumantes que não querem ser incomodados pela fumaça alheia. Ele acha, por exemplo, absurdo proibir as pessoas de fumarem durante vôos de avião: "O cigarro é uma das melhores, mais eficientes e civilizadas maneiras de se controlar a ansiedade numa situação que deixa muitas pessoas bastante nervosas e inseguras, como voar." Klein diz não saber como conciliar essa necessidade dos fumantes com a dos não-fumantes: "Talvez vôos separados, talvez um mecanismo tecnológico que impeça a ida da fumaça de uma parte do avião para outra". Ele também acha abusiva, a proibição, já comum nos EUA, de se fumar em qualquer parte dos locais de trabalho. Apesar de tantos elogios ao cigarro e tantos argumento em defesa dos direitos dos fumantes, Klein nega com ênfase que seu objetivo seja incentivar o hábito de fumar. Ao contrário, ele diz querer desencorajá-lo. "Cigarretes are Sublime" pode ser encomendado à livraria Cultura ( av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, tel. 011 285-4033) Texto Anterior: – De todos os poemas que escreveu, qual é o que inspira maior "orgulho autoral"? Índice |
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