São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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A próxima batalha

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

Ainda há tempo para salvar uma parte da atual revisão constitucional? Tendo lutado desde o momento inicial pela sua realização, continuei o combate mesmo quando a maioria já havia baixado os braços frente à desanimadora sucessão de impasses em que se transformou. Não me arrependo.
O estabelecimento de uma pauta mínima de votações na última quinta-feira veio mostrar que ainda há espaço para trabalho frutuoso até o prazo final no dia 31 de maio. Já é forçoso admitir, no entanto, que ficaremos muito aquém do mínimo indispensável. Chegou a hora de procurar soluções alternativas. Se esta revisão não foi capaz de cumprir os seus objetivos, é preciso encontrar outros caminhos.
O que absolutamente não se pode mais tolerar é o inchaço do Estado, o labirinto burocrático dos impostos, o caos dos serviços de saúde, a iniquidade do sistema previdenciário. Várias propostas têm sido apresentadas, a começar pela retomada dos trabalhos da revisão em 1995, com quórum reduzido e votação unicameral. Pessoalmente, inclino-me para a convocação de uma assembléia revisora exclusiva, a ser eleita ainda este ano.
Reconheço que a concretização desta proposta esbarra em obstáculos políticos e jurídicos que não convém desprezar. Mas oferece, em contrapartida, vantagens evidentes para triunfar onde o Congresso atual fracassou.
Em primeiro lugar, os membros da assembléia revisora exclusiva seriam eleitos para um único mandato, o que lhes daria uma independência maior em relação aos grupos de pressão e a imediatas exigências eleitorais.
É sabido como o temor de perder alguns votos silenciou muitos parlamentares que deveriam ter participado ativamente dos debates sobre monopólios, estabilidade de funcionários públicos, reforma fiscal ou reforma tributária.
Uma segunda vantagem da assembléia revisora exclusiva estaria na clareza meridiana do objetivo único a que se destina. Os seus membros não poderiam invocar o excesso de atribuições como desculpa da morosidade nos trabalhos.
Na atual revisão, a morosidade tem sido de tal ordem que não se conseguiu aprovação definitiva sequer para as poucas mudanças que receberam votação inicial favorável, como a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos.
Note-se, aliás, que o Executivo federal tem parte da culpa, pois nunca deu à revisão o apoio que dele se poderia esperar. Só se mostrou realmente ativo e interessado quando tratou de fazer passar o Fundo Social de Emergência, que permite reter 20% dos impostos arrecadados pelo governo federal para programas emergenciais. Ou seja, mais um remendo na velha colcha de retalhos à espera de uma verdadeira reforma tributária.
E agora? A evolução imediata do plano econômico e as primeiras escaramuças da campanha eleitoral que se inicia ameaçam açambarcar por inteiro a atenção dos políticos e da opinião pública. Até certo ponto é compreensível que assim seja, pela evidente magnitude dessas duas questões na vida econômica e política do país. Não há como tentar negá-la.
Mas essa atenção excessivamente concentrada não pode deixar na sombra a necessidade de encontrar soluções para corrigir os erros de nossa Constituição. A médio prazo, a persistência dos problemas viria comprometer qualquer vitória conquistada de imediato.
A experiência de planos econômicos anteriores demonstra à sociedade que êxitos iniciais têm fôlego curto e que sem mudanças estruturais os problemas podem ser temporariamente adormecidos, mas não solucionados.
Passados alguns meses, as mesmas causas continuarão a produzir os mesmos efeitos, a euforia cederá lugar ao desânimo. O plano atual –tecnicamente mas não essencialmente superior aos outros– corre o risco de conhecer o mesmo destino.
Algo análogo poderá ocorrer com o processo eleitoral. O gigantesco esforço para a escolha de novos representantes poderá resultar em enorme frustração democrática. O melhor presidente da República não terá um desempenho à altura se lhe entregarmos um país ingovernável por força de uma Constituição repleta de dispositivos ultrapassados, nocivos ou inexequíveis.
As dificuldades não desaparecem quando fechamos os olhos. Os erros não somem quando lhes damos as costas. A revisão constitucional continua à nossa espera. Temos que enfrentá-la. Com exclusividade.

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