São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 1994
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Candidato sem palavra

JANIO DE FREITAS

Em reunião com intelectuais e assemelhados para definir o seu discurso de campanha, Fernando Henrique Cardoso me fez duas acusações graves: a de adulterar uma frase sua e a de tirar do contexto o que ele diz, para fazer minhas interpretações. A Fernando Henrique não devo explicação, por muitos motivos. Dos quais o primeiro dispensa os restantes: não o considero merecedor dela. O que lhe caberia era um bom processo indenizatório, não fosse a imunidade parlamentar em que se escuda. Dou satisfações ao leitor.
No artigo "O candidato popular" (Folha de sábado), fiz considerações sobre a afirmação de Fernando Henrique de que "o povo não quer que você tenha boas intenções, quer que você chegue lá". Na reunião de seus amigos e a repórteres, no mesmo sábado, justificou-se: "Eu não disse que o povo não quer que você tenha boas intenções. Eu disse que o povo não quer que você tenha APENAS boas intenções" (maiúsculas minhas).
De fato, o sentido é completamente outro. Mas Fernando Henrique Cardoso, candidato à Presidência da República, mentiu. E o fez com dupla má-fé: forjou uma nova frase e forjou-a para atribuir à Folha, à repórter Edna Dantas e a mim uma adulteração imperdoável em nossas atividades.
A entrevista em que Fernando Henrique emitiu a frase está gravada. Sua nitidez não permite dúvida: a palavra APENAS não figura nela. O adulterador é Fernando Henrique Cardoso e estamos prontos a prová-lo onde e quando se faça necessário.
A segunda acusação foi feita nestes termos: "A vida inteira o Janio tira do contexto e interpreta do jeito que ele quer aquilo que eu falo". A impossibilidade física de reproduzir na íntegra todas as entrevistas e documentos gerou, sobretudo no Brasil, o costume dos pinçamentos infiéis, com fins escusos. De minha parte, sempre adotei o critério de só tratar isoladamente as frases cujo sentido não dependa do conjunto em que estão. Reproduzo literalmente, tirado da gravação, o trecho em que Fernando Henrique disse a tal frase, falando da sua aliança com o PFL:
"Essa pergunta, quem está abalado por causa da aliança, aliança tem duas questões. Uma, eleitoral. Nós temos que ter tempo de rádio e televisão. O PSDB sozinho tem dois minutos para lutar contra 15 minutos na TV. Dezoito. O que não dá. Você tem que ser objetivo. O povo não quer que você tenha boas intenções, quer que você chegue lá. Quer que você seja capaz de realizar".
Está visto que nem o conjunto, nem qualquer outra frase dele, dá à frase negada por Fernando Henrique o sentido que ela tem por si mesma. A leitura de todo o trecho leva, aliás, a outra mentira, esta sobre os tempos de TV do PSDB e do PT.
Não é a primeira vez, e espero não ser a última, que Fernando Henrique e esta coluna se atritam pelo mesmo motivo. A primeira fez dez anos há pouco. Foi quando noticiei que Fernando Henrique estava em contatos sigilosos com o governo Figueiredo, oferecendo um plano de conciliação entre o regime que se exauria e o que nasceria. Para isso, a presidência não poderia ficar com o candidato óbvio na época, Ulysses Guimarães, que supostamente representava o risco de confronto com os militares. Tancredo tivera com o governo conflitos impeditivos, aqueles que o levaram a dissolver o PP de então. Não preciso repetir, agora, quem era o homem que Fernando Henrique apresentava como adequado ao plano, sob o argumento de que tinha trânsito nas esquerdas para encabeçar um pacto conciliador.
O professor Leitão de Abreu, que era ministro do Gabinete Civil, não vive para confirmar as visitas ofertantes de Fernando Henrique. Mas há testemunhas da veracidade da notícia, inclusive o ex-presidente Figueiredo, que repeliu a proposta. Apesar da veracidade ainda hoje comprovável, na ocasião Fernando Henrique me fez graves acusações. Com a mesma hombridade que exibe mais uma vez.

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