São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 1994
Texto Anterior | Índice

O subúrbio de Noel e Romário

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO – A cordialidade demonstrada pelo pai de Romário com seus sequestradores surpreende nesses dias de conflito social declarado.
Porém, revisitando a memória histórica, seu Edevair, o pai do craque, é um legítimo representante da convivência entre a marginalidade e o morador do subúrbio carioca.
Nos últimos dias, desfruto o privilégio de ouvir as fitas gravadas dos programas "Noel Rosa –As histórias e os sons de uma época". Programas produzidos pelos brilhantes João Máximo e Carlos Didier, a partir da biografia do compositor que ambos já haviam tornado um sucesso editorial.
A série, transmitida pela rádio Cultura de São Paulo, em 92, premiada pela crítica, mostra a criatividade gerada pela mescla entre o homem marginal e o suburbano médio das primeiras décadas do século.
Noel, expressão máxima da boemia e fundador do samba, cresceu no então subúrbio de Vila Isabel e, como Romário, no convívio da malandragem.
Cada um expressa na sua arte a genialidade que os pretensos eruditos vêem conspurcada pelo estigma da origem.
Ambos são classificados por seus contemporâneos como rebeldes incorrigíveis, desestabilizadores da harmonia social. São admissíveis apenas na medida em que se tornam consagrados e essenciais.
Seu Edevair, depois de libertado pela polícia, fez questão de cumprimentar as mulheres presas em flagrante e prometeu-lhes apoio.
Romário diz que traficantes ajudaram a localizar o cativeiro do pai. Traficantes conhecidos da família teriam denunciado outros não tão próximos.
A morte e o tempo redimiram Noel Rosa de sua história conturbada. Ele não seria um exemplo, nestes dias onde o bom-mocismo e a idolatria do trabalho constroem heróis.
Romário, por mais cuidadoso que se tenha tornado no seu autopatrulhamento, é sempre uma incógnita e pode surpreender a qualquer momento. Tomara que não seja preciso esperar pela sua morte, assim como aconteceu a Garrincha e tantos outros, para que seja reconhecido pela imbecilidade dos que querem uma sociedade asséptica.

Texto Anterior: PRAZER VIRTUAL; JULGAMENTO APRESSADO; COTAÇÃO; INSISTÊNCIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.