São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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Cacá Rosset revela dupla de comediantes

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante algum tempo, o brasileiro Cacá Rosset foi citado, a boca pequena, na maledicência corrente do teatro, como alguém que plagiava o francês Jérôme Savary. Cenários parecidos, a mesma paixão pelo circo.
Ao mesmo tempo, sem responder a ninguém, falando a sua linguagem populista, nos programas de televisão, ele ia se tornando o diretor brasileiro de maior presença em um dos templos do teatro mundial, talvez o maior, que é Nova York.
Por estranho que pareça, enquanto era dado como um plagiador nos bastidores do teatro brasileiro, alcançava maior reconhecimento do que o próprio Jérôme Savary. Era elogiado por certas figuras lendárias do teatro, como o produtor americano Joseph Papp, já morto, para tristeza do teatro mundial.
"A Comédia dos Erros", uma montagem sugerida por Papp, que foi o diretor-artístico do Festival Shakespeare, de Nova York, e de sucessos comerciais como "A Chorus Line", é a resposta que Cacá Rosset estava devendo, também em casa.
Não é circense, embora seja uma palhaçada e tenha, com alguma distância, ecos de um humor ingênuo, próprio de um país antigo, que, pelo interior, confundia realmente teatro com circo.
Mas o humor de Cacá Rosset volta um pouco mais no tempo. Não é apenas ligado à "commedia dell'arte" ou aos esquecidos palhaços do Brasil. Volta mesmo a Plauto, o comediógrafo romano inspirador também de Shakespeare, em "A Comédia dos Erros", e também de Moliére, em "O Doente Imaginário".
É um humor no qual, já lembrou o próprio Cacá Rosset, tempos atrás, nada é respeitoso. Um humor em que até o "peido", disse então o diretor, é ritmado, é uma das técnicas a serem aprimoradas pelo comediante, pelo ator.
Um ator que é, antes de tudo, um instintivo. Como Ary França, o verdadeiramente genial comediante que o grupo Ornitorrinco, de Cacá Rosset, tinha em seus quadros até o ano passado.
Ary França saiu, uma perda, sem dúvida, mas o diretor, que arranca interpretações inesperadas de atores, até então, pouco ou nada notáveis, descobriu uma dupla maior em Luciano Chirolli e Eduardo Silva.
Ambos já vistos anteriormente no palco, mas sem chamar maior atenção. Pois em "A Comédia dos Erros", o primeiro como um dos gêmeos "senhores", o segundo como um dos gêmeos "escravos", os dois fazem esquecer de Ary França.
Formam uma dupla à antiga no humor brasileiro, como foi aquela com Oscarito e Grande Otelo –que passou a ser lembrada regularmente, sem explicação, pela televisão brasileira. A mesma hilaridade, em misto com um orgulho nacional, pode ser vista nos filmes de então e no palco do teatro Faap.
Ao falar da nova montagem, que estreou em Nova York há dois anos, com elenco americano e produzida pelo Festival Shakespeare, Cacá Rosset buscou outra imagem no cinema: Os Três Patetas. E está tudo lá, os tapas, a rasteira, o croque, o "slapstick".
Ainda outros paralelos poderiam ser feitos, desde aquele com Os Trapalhões, nos velhos programas de televisão, também reprisados agora, sem explicação, até, para ficar no enredo, aqueles de Shakespeare e Plauto.
Não importa muito, quase nada, em "A Comédia dos Erros", o enredo propriamente –como não importa em Os Três Patetas, Os Trapalhões, ou nos filmes de Oscarito e Grande Otelo. O que importa é a grande confusão que o enredo permite.
No caso, dois irmãos gêmeos, separados no nascimento, junto com seus dois criados, também separados no nascimento, vêem-se na mesma cidade, já adultos, mas iguais, acompanhados dos criados, também iguais. A confusão que se segue dura quase duas horas.
A dupla Luciano Chirolli-Eduardo Silva, como se disse, foi o achado. Mas aquela formada por José Rubens Chachá e Augusto Pompeo, os dois com maior presença em espetáculos anteriores do grupo Ornitorrinco, não compromete. Chachá, em especial, tem os seus bons momentos de sempre, como o irmão mulherengo, algo depravado.
Sua mulher, também algo devassa, obviamente, é feita por Christiane Tricerri. Que encontrou, que definiu afinal o seu papel no teatro: para Oscarito, para Grande Otelo, nada melhor do que uma vedete, que, seguindo os tempos, mostra muito mais do que as antigas –e está tão engraçada quanto, talvez mais.
O cenário, como acontece ultimamente no grupo, com José de Anchieta como cenógrafo, surge um pouco carregado, ou amontoado –tanto mais que o palco do teatro Faap é pequeno, comparado ao do Tuca, por exemplo. Ainda assim, retrata bem o tom farsante da montagem, em que tudo é satirizado, até as casas, desde o seu nome.
Uma sátira que já surge de cara, com o mui respeitável Shakespeare escrevendo, na lousa: "A Comédia dos Erro (sic)". Uma comédia clássica, mas levada na gozação, por mais que respeite e realce o texto, o que, aliás, faz como poucas vezes se viu por aqui.
Um espetáculo próprio de Cacá Rosset, um comediante maior. E original, tanto quanto Plauto, seu ídolo do século 3 a.C.

Título: A Comédia dos Erros
Tradução: Cacá Rosset
Direção: Cacá Rosset
Elenco: Christiane Tricerri, Maria Alice Vergueiro, José Rubens Chachá e outros
Quando: quarta a sexta, às 21h, sábado, às 20h e 22h, domingo, às 18h30 e 21h
Onde: Teatro Faap (r. Alagoas, 903, tels. 824-0104 e 824-0233, Pacaembu)
Quanto: 8 URVs, quartas e quintas, 10 URVs, sextas, sábados e domingos; de hoje a domingo, 50% de desconto

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