São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Teto de papel

A Constituição de 88 estabeleceu o esdrúxulo limite de 12% ao ano para os juros. Ao mesmo tempo, traindo a sensação de ter afinal decidido algo insuficiente, senão impraticável, remeteu a operacionalização desse ideal à legislação complementar. Em junho uma comissão especial da Câmara votará projeto de lei regulamentando o assunto.
O papel aceita tudo e não haveria de recusar –no país onde tantas vezes já se decretou o fim da inflação, o controle das estatais ou o fim do subdesenvolvimento– a erradicação final da "usura".
A regulamentação do artigo 192 da Constituição, que dispõe sobre o sistema financeiro, arrasta-se há anos e envolve outros temas além do teto sobre os juros, como, por exemplo, a autonomia do Banco Central. A rigor, portanto, os trabalhos da comissão poderiam até mesmo avançar em boa direção, reforçando as condições para a estabilização da economia brasileira.
Na prática, contudo, tanto a restrição aos juros quanto a autonomia do BC são questões cujo encaminhamento depende de outras providências. É inútil sonhar com juros reais baixos, seja em que nível for, se as finanças públicas continuam desequilibradas. Os juros elevados são apenas a expressão do custo de financiar um Estado inchado, ineficiente e sem crédito.
O mesmo vale para o ideal de independência do Banco Central. É uma idéia notável, mas enquanto não se assegurarem condições duradouras de ajuste nas contas do Tesouro Nacional, inevitavelmente a gestão da política do BC estará contaminada pelas necessidades de financiamento do governo.
Ainda assim, não se trata apenas de ausência de condições básicas para o sucesso de mudanças no sistema financeiro. Legislar sobre tudo, em particular sobre matérias de cunho financeiro, coloca em xeque também uma questão de princípio, a saber, a viabilidade de se regulamentar tanto a economia num regime de livre mercado.
Boas idéias não faltam, resta saber se a realidade é tão generosa quanto a vontade legiferante de parlamentares em busca de reeleição. Sobretudo nas atuais circunstâncias de fragilidade financeira do setor público, fixar limites para os juros é medida tão eficaz quanto cobrir uma casa com teto de papel.

Texto Anterior: Greves
Próximo Texto: A volta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.