São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994 |
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Maria Bethânia cinzela o cancioneiro brega
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Parece, não. É. Ao longo de uma hora e 40 minutos de show, Bethânia demonstra que o mundo é essencialmente uma esfera irregular e de gosto duvidoso. Consegue provar que o público, a crítica, a música, tudo não passa de caipirice com "narizinho empinado", como ela gosta de dizer. O público é bem mais velho do que o dos outros baianos e adora. Pode tirar a máscara e se reencontrar com os próprios sentimentos banais. Com a voz de contralto potente e a interpretação expressionista, Bethânia subtrai as poses. Toma a cena. Exibe resistência e só pára de cantar uma vez, para dar espaço ao grupo. Uma intérprete com voz mais fraca se renderia à orquestra de dez músicos. Estes traem o esforço de levar a cabo os arranjos complicados do maestro Jaime Alem. A dificuldade e o esmero, porém, não revertem em qualidade. Os arranjos soam inchados e irregulares. Ora uma música recebe tratamento sinfônico, ora outra de estúdio sertanejo. Atmosfera seresteira surge do nada (com "Lua Branca", de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga, momento em que a cantora mostra toda sua capacidade de persuasão) com dois violões. Em seguida, os músicos atacam de batida Olodum. O maior problema está no ânimo dos músicos. Eles parecem estar ali não para divertir o público, mas para cumprir horário. Ainda bem que Bethânia supre a omissão. Vence a orquestra. Interpreta 33 canções, costurando-as umas nas outras como uma ópera ou um drama amoroso. Começa com um lancinante "Fera Ferida" (Roberto e Erasmo Carlos), acompanhada por cordas, como na abertura da novela. Faz uma fusão para "Fé Cega, Faca Amolada" (Milton Nascimento-Ronaldo Bastos) e logo pula para a canção "Eu e a Água"(Caetano Veloso). Vai narrando uma história de frustração, satura o espaço com canções de Roberto e Erasmo Carlos. Exorciza as mágoas com músicas como "Adeus Bye Bye" (Guiguio-Juci Pita-Chico Santana). Chega à catarse com "Emoções" (Roberto e Erasmo). A essa altura, as atenções todas já viraram bregas felizes. Gonzaguinha e Roberto Carlos podem passar por Beethoven e Brahms. Bethânia domina a platéia porque alterna experimentação e romantismo sem dar tempo de os ouvidos passarem de um registro para outro. O nível culto se soma ao popularesco num resultado inquietante. Quando se aproxima do cafona marisa-montiano, ela arranja um escape erudito. Incorpora um Caetano Veloso rápido e apeia os derradeiros narizes niilistas. Bethânia converte o conceito de brega em arte. Cinzela-o até virar música pura. Show: Maria Bethânia Músicos: Jaime Alem (guitarra e regência), Daniel Garcia (sopros), João Coutinho (piano e acordeão), Adriano Giffoni (baixo), Reginaldo Vargas (percussão), Carlos Bala (bateria), Fernando Merlino (teclados), Márcio Mallad, Fernando Bru, Hugo Pilger e Yura (violoncelo) Direção: Gabriel Villela Iluminação: Maneco Quinderê Produção: Carmela Forsin Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, tel. 011/531-4900) Quando: hoje e amanhã, às 22h, e domingo, às 20h Quanto: de CR$ 20 mil (setor 5) a CR$ 90 mil (camarote) Texto Anterior: José Saramago lança seu diário no exílio Próximo Texto: O guerreiro sabe o poder das palavras Índice |
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