São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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'Reivindicação da PF é causa perdida'

WILLIAM FRANÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Romildo Canhim, 60, virou o alvo principal de sindicalistas revoltados com a situação salarial do funcionalismo público.
À frente da SAF (Secretaria de Administração Federal) há um ano –a ser completado na sexta-feira, dia 20–, ele tem colecionado inimizades e greves. A mais estridentes delas, a dos agentes da Polícia Federal que completa hoje 55 dias.
"A greve do funcionalismo é inexpressiva. Só tem interesses político-eleitoreiros", avalia o ministro. Para os agentes da PF ele não tem solução e considera a "causa perdida". "Os agentes da PF vão ter que se contentar em esperar", afirmou.
Canhim acusa a CUT (Central Única dos Trabalhadores) de organizar um movimento para desgastar o plano econômico em tramitação no Congresso e se posiciona contrário à atividade sindical nos órgãos policiais.
General da reserva e com trânsito em todos os ministérios, Canhim não viu exagero nas ações do Exército, durante a intervenção feita semana passada na PF.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida na sexta-feira passada:
*
Folha - O servidor ganhou uma política salarial no final do ano passado. Agora, com a URV, perdeu essas regras. O que fazer?
Romildo Canhim - Antes, a política se baseava em recompor as perdas que a inflção comia.
Agora precisamos estabelecer uma política de ganhos reais, partindo do princípio que vai haver uma estabilidade econômica com a implantação do real.
Folha - O servidor vai ter que torcer para um êxito do real para poder melhorar seu salário?
Canhim - Vai ter que esperar o comportamento da economia, os efeitos do real na arrecadação do Estado e, dentro dessa arrecadação, uma melhoria. Daí buscaremos a reconstução.
Folha - Diante desse quadro, de nada adiantam as greves de servidores públicos federais (Ibama, IBGE, universidades públicas, Inamps, INSS, administração dos ministérios), que estão parados há quase um mês?
Canhim - O movimento dos servidores é absolutamente inexpressivo. Essa greve dos servidores públicos tem muito pouco a ver com problema salarial.
Evidente que o quadro salarial sempre é bandeira para uma greve. Mas a verdadeira razão dessa greve é puramente política, com fins eleitorais.
Folha - O sr. considera isso um movimento isolado ou há uma articulação para que aconteçam greves por todo o país?
Canhim - Eles buscam concentrar esforços nos pontos em que possam atingir o plano econômico, que está em tramitação no Congresso Nacional, mas não têm tido êxito.
Folha - Quem coordena esse tipo de ação?
Canhim - Evidentemente que é a CUT (Central Única dos Trabalhadores). A CUT hoje tem uma influência palpável.
Folha - O governo tem medo da CVT?
Canhim - Aquela massa que é mais sensível à manipulação sindical está ligada a sindicatos que estão vinculados em sua maioria à CUT. Essa massa não teve ganho algum.
Já os servidores que se organizaram em associações deles mesmos, que são poderisíssimas, esses obtiveram ganhos. Pelo menos essas atuais lideranças sidicais foram formadas dentro de uma cultura inflacionária.
Eles só raciocinam com perdas. Ela (a CUT) tem que se ajustar a uma nova era, não podem ter a mesma visão do passado.
Folha - Depois da intervenção do Exército, começam hoje as negociações com os agentes da Polícia Federal. O que o governo tem a oferecer?
Canhim - Essa discussão foi deslocada para o Ministério da Justiça, porque nós (Secretaria de Administração Federal) chegamos ao limite de negociação.
Existe uma lei que prevê a isonomia dos agentes federais com os da polícia civil do Distrito Federal.
Mas existe uma paridade (equiparação) entre esses agentes com os delegados da própria polícia civil.
Essa vinculação, ao nosso ver, é totalmente inconstitucional. Os agentes da PF não conseguiram essa paridade com os seus delegados. Isso causou um desconforto dentro da própria Polícia Federal.
Não podemos, com base num ato inconstitucional, conceder um aumento salarial que a Polícia Federal quer.
Folha - O sr. tem alegado que esse aumento desmontaria sua proposta de isonomia salarial, já que um professor universitário passaria a ganhar menos que um agente.
Canhim - Além da questão legal, o que eles querem é imcompatível e injusto, e foge à visão que o presidente Itamar Franco tem da administração pública.
Folha - Não há solução para a greve da Polícia Federal?
Canhim - Somente dentro de uma política salarial global da administração pública. Eles, como servidores públicos, vão ter que se contentar em esperar.
Folha - Imoral por quê?
Canhim - Dentro de um quadro em que temos milhares de servidores em que é preciso completar com abono para poder chegar ao salário-mínimo. Isso é uma aberração moral.
Folha - Então não há solução à vista?
Canhim - Espero que eles parem para pensar e vejam o problema que está sendo criado com uma causa absolutamente perdida.
Folha - Não houve exagero na decisão e no cumprimento da ordem de intervenção pelo Exército na PF, semana passada?
Canhim - Não vi exagero. O governo teve que manter a lei e a ordem, até por imposição da Constituição.
A autoridade do presidente da República estava sendo agredida. A população também estava sendo violentada nos seus direitos, inclusive no de ir e vir – como a falta de passaportes.
Folha - Não houve um exagero nas informações sobre a greve da PF? Os grevistas dizem que o quadro não era o que foi relatado.
Canhim - A imprensa, a SAE, além dos ministérios militares, diziam a mesma coisa.
O presidente ficou irritado quando viu na TV que os grevistas escolhiam quem poderia tirar passaporte.
Quando chegou ao ponto de, na sede da PF, impedirem o próprio diretor(Wilson Romão) de entrar, a partir daí não havia mais condição nenhuma: ou ele se omitia ou tomava providência. E ele só dispunha do Exército para isso.
Folha - O coronel Romão no início da greve dos policiais federais (que hoje completa 57 dias), chegou a discutir com o sr. porque ele defendia o aumento do salário dos grevistas. Ele não contribuiu para que esse episódio tomasse proporções maiores, quando apoiou o movimento?
Canhim - O Romão sempre veio aqui buscando meios para que se atendesse a Polícia Federal. Estão sendo profundamente injustos com o Romão.
Por várias vezes ele tentou me convencer da legalidade do pedido, mas não conseguiu.
Folha - O sr. defende a extinção da Polícia Federal?
Canhim - Não defendo a sua extinção. Defendo a tese de que a PF volte a ser a polícia que era antes. Tem muita ação administrativa que não precisa ficar nas mãos da PF.
Folha - O quê, por exemplo?
Canhim - A emissão de passaportes, determinadas ações de controle. Até os inquéritos: por que eles são feitos pelos delegados da PF e não pelo Ministério Público? A Polícia Federal poderia se dedicar mesmo ao combate ao tráfico, contrabando, que são mais adequadas à sua formação. Também é preciso limitar a ação de sindicalistas na polícia.
Folha - O sr. é contra a sindicalização dos policiais federais?
Canhim - Não sou contra sindicatos. Sou contra a atividade irracional deles, que não tem levado a nada. A atividade sindical é fundamental para qualquer trabalhador.
O problema é que a PF é um órgão armado e essa atividade sindical, se exercida e se devida – isso eu questiono– , ela tem que ser limitada. Isso é que está contribuindo para toda essa desestruturação.
Folha - Em que ponto o sr. vê exageros por parte do sindicato na Polícia Federal?
Canhim - Na medida em que eles levam e conduzem todo o efetivo da Polícia Federal para essas ações extremadas.
Folha - Como consequência, o sr. é contra o direito de greve dos policiais federais?
Canhim – Sou. É uma atividade essencial, de segurança, de grande importância para o Estado. É como as Forças Armadas.
Folha - As tropas não correm o risco de "gostar de ficar nas ruas?"
Canhim - Não tem esse negócio. O militar nunca gostou de ficar nas ruas. É como um civil dentro de um quartel -ele não fica à vontade. O militar na rua também não fica à vontade. O que há hoje é uma consciência de profissionalismo. Aquela motivação política que tinha um chefe militar do passado, os de hoje não têm.
Você faz uma análise no alto-comando do exército e vê que todos são profissionais. Não tem um general que seja político como antigamente.
Folha - Há risco de golpe?
Canhim - Absolutamente. Vejo risco maior de uma crise institucional, de um impasse político -até de uma convulsão social, se nós não levarmos a cabo um programa de estabilização, como este que está sendo proposto.

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