São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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Da arte de perder dinheiro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Um cidadão cheio da grana, desesperado dos conselhos de seus assessores, ousou me consultar a respeito de um problema que eu nunca tive: em caso de reviravolta social, o que ele deveria fazer para perder dinheiro rápida e honestamente. Sugeri que me desse o dinheiro à vista, compactamente. Correria eu de bom grado os riscos de uma revolução, ainda que não entrasse no reino dos céus nem passasse pelo buraco de uma agulha.
A sugestão foi recusada. Ele não dá esmolas nem tem especial interesse em que eu entre na beatitude eterna ou passe pelo buraco das agulhas. Já tinha suficientes problemas, que eu ficasse com os meus. Queria perder dinheiro com dignidade, fazendo jus ao trabalho, suando o rosto e molhando a camisa.
Passamos em revista alguns setores de alto risco, como emprestar dinheiro ao governo, subvencionar campanhas eleitorais, doar creches e hospitais a municípios carentes, produzir filmes nacionais, instalar um parque geodésico no Piauí (aliás, nem sei exatamente o que seja um parque geodésico), enfim, inventaríamos alguns lançamentos de comprovada audácia e de nula recompensa.
Queimadas diversas opções, sobraram dois projetos que, encarados com seriedade e patriotismo, poderiam servir ao fim pretendido. O primeiro seria promover pesquisas três vezes ao dia. A coisa funcionaria mais ou menos como uma mesa de câmbio ou como o Banco Central. De manhã, à tarde e à noite divulgaríamos o que o povo está achando dos governos federal, estadual e municipal, do Congresso, da imprensa, da polícia, da Xuxa e da Igreja. Mediante taxa suplementar, também seriam feitas pesquisas sobre os programas da TV, os conjuntos de rock e as causas do acidente de Imola.
A segunda opção seria resgastar todos os cretinos do universo. É muita e incompreendida gente. O cretino é um santo às avessas que precisa um pouco de sabão e cartilha para se transformar num sujeito razoável, digno de ser assessor parlamentar, diretor teatral, porta-voz de entidades ecológicas e cronista.

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