São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 1994
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Carlinhos Lyra naufraga no mar de teclados em CD para japonês

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Dois CDs abordam com limitações a obra do compositor carioca Carlos Lyra: "BossaLyra", com ele próprio, décimo-quarto trabalho de estúdio da carreira de 40 anos, e "Carlos Lyra Songbook", álbum com vários intérpretes.
São leituras parciais porque a obra parece nos dois casos superar as interpretações. O ouvinte tem vontade de ouvir mais e melhor.
O disco cantado por Lyra soçobra nos arranjos banais com teclados, apesar da boa voz do cantor.
O "songbook" morre da própria cura. Os participantes são os mesmos de todos os "songbooks" anteriores de Chediak.
Lyra é um dos grandes mestres da MPB, autor de canções fundamentais da bossa nova e só mencioná-las já transporta o ouvinte ao Valhala: "Lobo Bobo" (1957), "Influência do Jazz" (1960), "Maria Ninguém" (1956), "Minha Namorada" (1959). Também fundou com Vinicius de Moraes a canção de protesto.
Não espanta que "BossaLyra" tenha feito sucesso quando foi lançado no Japão em 1993. O país é um valhacouto de chorões e bossa-novistas. Japonês gosta tanto de música brasileira que até o Nelson Ned tem por lá status de João Gilberto. O que não dizer dos acordes bem talhados de Lyra.
O problema do disco reside no fato de ser feito para o público japonês. É um apanhado de quinze sambas mais do que conhecidos pelos brasileiros, gravados muitas vezes pelo próprio compositor.
Como se não bastasse, os arranjos assinados pelo pianista Antônio Adolfo adicionam nada para a compreensão da produção do compositor. Ao contrário, são capazes de embotar para sempre os corações mais puros e sensíveis.
Um teclado de karaokê mancha a coitadinha da "Se É Tarde me Perdoa", eternizada por Sylvia Telles. O coro de As Gatas em várias faixas também dói na alma.
Salva-se a interpretação afinada e sutil de Lyra, um cantor de reputação ilibada e notável saber harmônico.
Quanto ao "songbook", o negócio é ser impassível perante a dor e a adversidade e peregrinar pelo deserto de todos os "songbooks", formado –como sempre– de extensas dunas de Joyce, Emílio Santiago e Leila Pinheiro, pontilhadas por escassos oásis com a plaqueta de Tom Jobim e Tim Maia.
"Lobo Bobo", por Emílio Santiago, merece um altar em cada churrascaria do mundo (inclusive a que abrirá em Pequim até o fim do ano). É o "kitsch" no seu mais alto grau.
Outra faixa pífia é "Maria do Maranhão", que reúne o próprio Lyra com a cantora Lisa Ono, que faz sucesso só no Japão. Podia integrar o álbum nipônico de Lyra.
Aproveitáveis são as versões de Cássia Eller para "Saudade fez um Samba", Nouvelle Cuisine para "Se É Tarde me Perdoa" e de Lobão para "Você e Eu". Pelo menos eles traem um espanto diante da obra de Lyra que cria o estranhamento.
É gostoso ver o roquinho brasileiro comendo na mão da bossa nova depois de 13 anos de balidos estéreis.

Disco: BossaLyra
Intérprete: Carlos Lyra
Músicos: Antônio Adolfo (piano e teclados), Claudio Jorge (violão), Paulo Braga (bateria), Adriano Giffoni (baixo), Alceu Maio (cavaquinho), Lui Coimbra (violoncelo), Yuka Kido e Zé Carlos Ramos (flautas), Roberto Marques (trombone), Bidinho (trompete e flugelhorn) e As Gatas (vocais)
Produção: Antônio Adolfo
Lançamento: BMG Ariola
Disco: Carlos Lyra Songbook
Intérpretes: Tom Jobim, Caetano Veloso, João Bosco, Gal Costa, Tim Maia, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Beth Carvalho, Joyce, Leila Pinheiro, Leny Andrade, Os Cariocas e Quarteto em Cy, Emílio Santiago, Roberto Menescal, Lobão, Nouvellle Cuisine, Be Happy e Carlos Lyra
Produção: Almir Chediak
Lançamento: Lumiar Editora
Quanto: 15 URVs (o CD, em média)

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