São Paulo, sábado, 28 de maio de 1994
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Tradição vence inovação na segunda noite

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A segunda noite do Nescafé & Blues marcou a vitória da tradição sobre a inovação.
Ronnie Earl e seus Broadcasters transformaram Robben Ford e seu Blue Line em coisinha pouca, convertendo-os em grandezas relativas ou nulas. Por quê?
Porque Robben Ford parecia perfeitamente inatural. Digamos, e é a verdade mais funda possível, que Robben Ford é considerado o melhor guitarrista do mundo, quando se fala em jazz-rock e blues. Mas anteontem abusava da tecnologia. Sua guitarra tinha o som de uma cuíca percutida por um coreano.
O rei da noite, Ronnie Earl, é uma figurinha bem elástica, que se veste como gângster de Chicago e resgata na guitarra sons sobrenaturais. Parece ter aproveitado o fato de ter tocado com Eric Clapton para derramar sons de guitarra da época do Cream e jamais ouvidos no Brasil. Tocou com uma Fender Stratocaster ano 53, sem fazer uso de pedais para distorcer-lhe os sons.
Ronnie lavou a honra a paletadas em acordes, acreditem, que lá fora são tidos como coisa única e exclusiva de Tom Jobim. Pulava de centros tonais, usava escalas hexatônicas (de tons inteiros), bem à maneira de Claude Debussy, e conseguia enxertar tudo isso em blues de Chicago
Sua música trouxe uma fulminante reabilitação do blues, talvez porque, nos recessos de sua guitarra, o tecladista Bruce Howard Katz enxertava órgãos Hammond, com sinais dobrados por efeitos de caixa Leslie (que nos dá sons psicodélicos, tremidos).
A entrada desse Ronnie Earl no palco teve o status de uma trama genial, porque antes dele o argentino Pappo tinha inundado o ar com uma obsessão compulsiva, a de reeditar os timbres de blues de Jimmy Page, do Led Zeppelin. Foi bom, mas não decolou.
Eis que lá pelas tantas entra no palco a estrela virtual da noite, Robben Ford. Lá trás, o homem trazia pelo menos quatro processadores eletrônicos de sinais da guitarra. Ao seu lado, ninguém menos que Roscoe Beck, o melhor baixista de jazz-rock do mundo.
Claro que podíamos dizer que a noite era de Robben Ford. Despejou suas obras-primas como "The Brother', "You Cut me to the Bone", "Life Song". Deu até tempo para que Roscoe Beck tecesse uma obra solo no baixo –em que empregou trechos inequívocos das sequências de acordes das "Gaivotas", de Heitor Villa-Lobos.
Num reconhecimento consentido, Robben Ford chamou Earl Jones ao palco. Lado a lado as estrelas, subiu da platéia uma unanimidade: tradição gregária de Earl Jones vencia os acordes e os ataques fulminantes e "modernos" de Robben Ford.

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