São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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Inflação e eleição

O fato de 55% dos eleitores brasileiros, consultados pelo Datafolha, mostrarem-se muito céticos a respeito da queda da inflação com a introdução do real merece uma leitura político-eleitoral.
Como todos os economistas –inclusive os de oposição ao plano e ao governo– dizem que haverá uma drástica queda da inflação com a nova moeda, o lógico é supor que o grande público terá uma agradável surpresa.
Ocorre que a história recente da América Latina e do próprio Brasil demonstra à saciedade que a estabilização da economia é um bem de inestimável valor eleitoral. Não parece importar tanto se a queda da inflação é ou não acompanhada de aumento direto e imediato do poder de compra dos salários.
No Brasil do Plano Cruzado (1986), houve ganho salarial e a popularidade do partido tido como responsável pela proeza –o PMDB– rendeu avassaladores dividendos eleitorais, inéditos mesmo na história política brasileira.
Na Bolívia, após 1985, a estabilização veio acompanhada de recessão e fortes dores sociais. Mesmo assim, o autor do plano, o hoje presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, acabou tendo a sua popularidade catapultada às alturas.
Na Argentina, o presidente Carlos Menem assumiu em meio a um surto hiperinflacionário e o fato de ter estabilizado a economia assegurou a seu partido sucessivas vitórias eleitorais e até a perspectiva de modificar a Constituição e assim ter chance de disputar a reeleição.
Os antecedentes sugerem, portanto, que, sejam quais forem os efeitos colaterais do real sobre a atividade econômica e sobre o poder de compra dos salários, haverá ganho eleitoral para quem for identificado pelo público como responsável pela redução da inflação a um patamar próximo de zero.
A dúvida é saber até que ponto Fernando Henrique Cardoso, o idealizador do real, terá a sua imagem claramente vinculada ao plano. Por enquanto, esse casamento parece difuso. Desde que deixou o Ministério da Fazenda, FHC tornou-se muito mais um senador-candidato do que um ex-ministro com um legado a defender. Essa constatação ajuda a explicar o desempenho apenas razoável do candidato do PSDB nas pesquisas recentes.
Casar o seu nome ao Plano Real e, portanto, à derrubada da inflação parece ser a única oportunidade que o postulante tucano terá para reduzir a diferença que atualmente o separa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para tentar evitar que o petista vença logo no primeiro turno e ainda ter chances de derrotá-lo em um eventual segundo turno.
De qualquer forma, se de fato a inflação despencar com a introdução do real, haverá uma mudança qualitativa no cenário eleitoral. Hoje, é tão ruim o quadro macroeconômico nacional que ser situacionista é um "handicap" fortemente negativo. Caindo a inflação, desaparece, em tese, esse "handicap" e o oposicionismo, por si só, pode não bastar para eleger alguém.

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