São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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O território do mal-estar

INÁCIO ARAUJO

Os restos humanos do nome do filme "Amor e Restos Humanos" (Love and Human Remains) referem-se, para começar, aos corpos das moças vitimadas por um "serial Killer", encontrados periodicamente em Vancouver, Canadá. Mas não só: é como se todos os seres tivessem se tornado restos, sobras de uma humanidade desprovida de sentido.
Ou melhor: na ausência de um conjunto de idéias e de uma ética coerente, cabe a cada ser procurar o sentido de sua existência, a maneira de se equilibrar no mundo.
Assim é David (Thomas Gibson), um ex-ator que atualmente está trabalhando como garçon. Ou Candy (Ruth Marshall), ex-namorada de David, que ainda mora com ele e procura um relacionamento afetivo razoavelmente seguro.
A eles vão se juntar Bernie, desencontrado amigo de David, o adolescente Kane, indeciso entre ser hetero ou homossexual, Jerri (uma lésbica) e Robert (barman) que dão em cima de Candy.
O diretor canadense Denys Arcand procura ligar um aspecto temporal (um momento específico da civilização) e outro intemporal (a sexualidade como tragédia e, ao mesmo tempo, a dificuldade de constituir e externar sentimentos).
O mérito principal de Arcand consiste em colocar seus personagens no mundo sem dotá-los de um mínimo de transcendência. São seres de puro acontecimento, cujas atitudes não parecem ter qualquer consequência externa.
Seu problema maior está na dificuldade em articular questões de atualidade (a série de crimes, a Aids).
Sobra, em todo caso, a interessante maneira como o canadense descreve o mundo afetivo como território dos enganos e ocultações, dos desencontros ínfimos porém atrozes. Como a dizer que a cultura é, independente do que muda, o território do mal-estar.
Amor e Restos Humanos (Love and Human Remains). Canadá, 1993. Direção de Denys Arcand. Cinearte: a partir das 14h. Arouche A: a partir das 15h. Belas Artes/ sala Cândido Portinari: 17h30, 19h30 e 21h30.

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