São Paulo, quinta-feira, 2 de junho de 1994
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A ética dos economistas

LUÍS NASSIF

Na segunda-feira à noite, em um programa de televisão nacional, um economista do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA) aconselhou investidores de todo o país a aplicarem seu salário na estocagem de alimentos e produtos de consumo doméstico.
Conselho de tal magnitude, que espalha pânico e altera comportamentos, foi feito exclusivamente na suposição de que, sendo os setores de alimentos industrializados e de material de limpeza oligopolizados, haveria inevitavelmente um aumento de preços após o real.
Se são oligopólios, não poderiam ter aumentado antes do real? Apenas esta indagação –não respondida e não analisada pelo economista –mudaria completamente o foco da questão.
A informação foi acatada porque o fulano apresentou-se como economista e pesquisador do Ipea.
Nem vale a pena estender-se na análise de proposta tão primária e estapafúrdia, que induz o consumidor despreparado, sem capital, sem sofisticação financeira, sem estrutura de armazenamento, sem controle de desperdício, num quadro de abastecimento pleno, a especular com produtos na despensa de sua casa.
Trata-se de aproveitar o episódio para discutir mais seriamente a questão da ética do economista.
Nos últimos anos a leviandade com que vendo sendo utilizados os argumentos econômicos e a politização da discussão econômica atingiram níveis que poderão levar à desmoralização dos economistas como um todo –se os órgãos de classe não tratarem de agir, discutindo seriamente a questão da ética na profissão.
Calamidade
Nos Estados Unidos, onde se chuta menos, já teve início um movimento de dessacralização dos gurus econômicos dos anos 70. A maneira taxativa com que montavam seus cenários e a pouca importância que davam aos movimentos de mudança do ambiente econômico, levaram gradativamente à sua desmoralização.
No Brasil, esta manipulação atingiu níveis de calamidade, agravada pela falta de critérios da imprensa em tratar com informações técnicas.
Especialistas em preços espalham mensalmente previsões terroristas que jamais se cumprem. Economistas ligados a bancos defendem a tese de que haverá expurgo na inflação, sem jamais comprovar. Economistas ligados a sindicatos falam em perdas salariais manipulando a base de comparação.
A cada dia que passa o economista torna-se um personagem menos importante, por conta dessa irresponsabilidade generalizada.
Presidentes de BC
O ex-presidente do Banco Central (Bacen) Francisco Gros entra em contato com a coluna para rebater declarações de Luiz Inácio Lula da Silva contra autoridades econômicas brasileiras que passaram a trabalhar para credores estrangeiros.
Diz Gros que todas as pessoas a que Lula se referiu –inclusive ele– trabalham para bancos de investimento, que por sua própria natureza não emprestam dinheiro. Seu objetivo é carrear recursos para o Brasil.
Gros informa que o ex-presidente do FED (o BC norte-americano) Paulo Volcker trabalha em tempo integral para o banco de investimento James Wolfenson. Lula supunha que Volcker sobrevivesse dando aulas.
Quando Gros foi convidado para o cargo, diz ele, além de não dispor de salário vitalício (como nos EUA), jamais foi colocada a impossibilidade de continuar trabalhando depois de deixá-lo, nem de fazer voto de pobreza. "É inaceitável se vir agora, `ex-post facto', jogar lama no nome e na reputação de pessoas que serviram ao país", diz ele.

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