São Paulo, quinta-feira, 2 de junho de 1994
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A chance que resta

"Acta est fabula". *
Augusto
Sem pompa nem circunstância, com exéquias até melancólicas, sepultou-se anteontem a revisão constitucional. Em oito meses de "trabalhos", os parlamentares, além de criar o transitório Fundo Social de Emergência, foram incapazes de fazer mais do que cinco alterações não-fundamentais na Carta.
A forma como o processo fracassou seria apenas mais uma chacota de congressistas não fossem os perversos resultados que a manutenção do atual texto constitucional traz para a sociedade.
De fato, apesar da vocação inequivocamente democrática da Constituição de 88, o diploma congelou a capacidade de investimento do Estado e consagrou aberrações políticas. Tudo isso contribui para fazer do cenário nacional o palco tragicômico em que ele se tornou, onde prosperam os grupos de interesse organizados enquanto crescem miséria, fome e injustiças.
Ninguém é ingênuo a ponto de acreditar que apenas a reforma da Carta, como que num passe de mágica, alteraria essa situação. Ainda assim, é forçoso reconhecer que algumas mudanças substanciais no texto são o pré-requisito para que o Brasil encontre seu caminho.
Como esta Folha defende, a melhor forma de garantir que a reforma da Carta ocorra de modo célere e menos vulnerável a interesses corporativos espúrios é a convocação de uma assembléia revisora exclusiva. Seria um colégio formado por cidadãos com a missão única de emendar o texto e depois retornar aos seus afazeres, sendo ainda proibidos de concorrer a cargos eletivos por algum tempo.
É evidente que nessa situação o clássico, crônico e imoral absenteísmo de nobres parlamentares não seria mais um impeditivo. Além disso, e mais importante, é que os revisores, por não terem interesse em reeleição ou acúmulo de mais poderes, não estariam legislando em causa própria. Também a força dos lobbies e corporações ver-se-ia relativizada diante da maior independência do colégio revisor. Tudo isso daria melhores chances para o país obter uma Constituição mais à altura de seus enormes desafios.
Encerrada a farsa que foi a revisão no Parlamento, resta à sociedade pressionar para que o Congresso convoque, através de emenda à Carta, uma eleição para a assembléia exclusiva. É uma tarefa árdua. Mas há que perseverar. O Brasil merece mais essa chance.

* "Acabou-se a peça".

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