São Paulo, sábado, 4 de junho de 1994
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O consenso sobre encargos trabalhistas

EDWARD J. AMADEO

Dentre os chamados "consensos nacionais" que vêm se consolidando, há um que me incomoda profundamente pelo caráter retórico de que se reveste. Trata-se da idéia de que os encargos trabalhistas no Brasil são muito altos, impedindo a geração de empregos.
Em entrevistas recentes, o ministro Ricúpero tem dito que defende a redução de encargos com base em um trabalho do professor Pastore a que teve acesso. Segundo matéria da Folha de 16 de maio (pág. 1-7), o PSDB inclui entre suas prioridades a "desoneração da folha de salários com encargos".
Gostaria de oferecer alguns dados e opiniões que diferem daqueles difundidos em entrevista do professor Pastore ao jornalista Antonio Carlos Seidl da Folha no dia 23/04/94 (caderno "Dinheiro", págs. 2-1 e 2-3), que orientam as visões do ministro e, tudo indica, coincidem com as propostas do PSDB.
Parte dos chamados "encargos trabalhistas" a que se refere o professor Pastore beneficiam diretamente o trabalhador e consistem, a rigor, em salários. Exemplos: décimo terceiro, um terço de bônus nas férias, pagamento por férias e feriados. Nada disso passa pela mão do Estado. Beneficia diretamente o trabalhador. A o quadro "Composição do custo do horário do trabalho" mostra claramente que, com excessão:
– das contribuições para INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), salário educação e contribuição para prevenção de acidentes de trabalho que vão para os cofres públicos, e
– das contribuições para Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas) que beneficiam as empresas diretamente, o resto vai para o bolso do assalariado e é por isto parte do seu salário. Portanto, a demanda de "redução de encargos", genericamente, pode significar redução do dinheiro que ao longo do ano vai para o bolso do trabalhador.
Portanto, na discussão sobre redução sobre "encargos" é preciso saber de que encargos estamos falando: se dos que beneficiam o Estado (24,5% da folha), se dos que beneficiam as próprias empresas e associações patronais (1,6% da folha) ou a do salário.
Se não é do salário então, a rigor, estamos falando de redução dos 24,5% que vão para o Estado e dos 1,6% que vai para as empresas. É pouco o que há para cortar e há que se pensar em como financiar os gastos financiados por estes encargos.
Quando restringimos "encargos" no Brasil a INSS, salário educação, FGTS e contribuições para Sesi/Senai/Sebrae e para outros países, usamos a definição do "Bureau of Labor Statistics" (Estados Unidos) de encargos (impostos e contribuições que não favorecem diretamente o trabalhador), o quadro comparativo coloca o Brasil mais ou menos na mesma situação que outros países.
Como mostra o quadro "Participação de encargos sobre folha", a participação dos encargos na folha é maior que no Japão, levemente maior que na Alemanha e Estados Unidos e menor que na Itália e Suécia.
Entretanto, o que é de longe mais fundamental nesta discussão, e o professor Pastore não considera, é o valor absoluto em dólares do custo salarial horário no Brasil e nos outros países. Mesmo incluindo México e Coréia entre os países comparados, o custo horário do trabalho na indústria brasileira é de longe o menor.
Isto é verdade mesmo quando incluímos as horas pagas e não trabalhadas, que o professor Pastore considera um fator tão negativo no caso brasileiro. Como se nota no quadro "Custo horário do trabalho em US$", o custo horário é metade do custo na Coréia e o mesmo que no México, e várias vezes menor que nos países da OECD (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Portanto, quando o professor Pastore fala de seguir os mesmos passos que a Europa, deveria levar em conta que o custo salarial horário no Brasil é 10% o custo na Suécia ou na Alemanha e 16% o custo nos Estados Unidos e Japão. E é claro que o hiato de produtividade é muito menor que isto.
Portanto, falar em reduzir salários (ou encargos, dá no mesmo) para aumentar a competitividade certamente não é uma proposta razoável. Em outras palavras, não é em absoluto porque o custo salarial é muito alto que a indústria brasileira é mais ou menos competitiva.
Sobre o número de dias feriados que, segundo o professor Pastore são um fator importante a diferenciar o Brasil de outros países, alguns dos números oferecidos na entrevista não conferem com o "Economist Pocket Diary" de 1994, que serve para orientar empresários que vão visitar os países.
Em geral, os números oferecidos pelo professor Pastore subestimam os números do "Economist" e não há casos de sobreestimação. Os casos do Japão e Hong Kong merecem destaque: segundo o "Economist" são 19 e não 12 o número de feriados no Japão, enquanto em Hong Kong são 17 no lugar de 11.
Acho que o professor Pastore tem toda razão em dizer que é preciso "flexibilizar" o mercado de trabalho, inclusive os salários, no Brasil. Isto pode ser feito aumentando o conteúdo negocial da relação capital-trabalho e diminuindo seu caráter regulatório. Mas isto é outra história e não deve ser confundido com a demanda pura e simples de "redução de encargos".

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