São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Operação antecipou fim da guerra

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O dia 6 de junho de 1944 poderá ser usado pelos historiadores do futuro como uma dessas datas simbólicas, como a queda de Constantinopla, em 1453, que "encerrou" a Idade Média, ou a queda da parisiense Bastilha, em 1789, que sinalizou o começo da atual Idade Contemporânea.
Em 6 de junho de 1944 a Europa começou a se render aos Estados Unidos da América, iniciando o período da "Pax Americana" (sem os americanos, não haveria Dia D). Apesar do nome "pax", os últimos 50 anos foram uma época recheada de "pequenas guerras" - Coréia, Vietnã, Afeganistão, golfo Pérsico etc.
Mas o mesmo havia acontecido com a mais famosa "Pax Romana". Roma, gestora da chamada Civilização Ocidental, soube resistir a invasões bárbaras , mantendo as características básicas da civilização que chegou aos brasileiros pós-1500.
Os 155 mil soldados aliados que desembarcaram na Normandia, norte da França, estavam defendendo valores dessa mesma civilização contra um bárbaro moderno, mas muito mais perigoso e homicida. Equipado com tanques de 60 toneladas, aviões a jato e mísseis balísticos, Adolf Hitler foi o chanceler de um Reich (império) que deveria durar mil anos.
"O Mais Longo dos Dias" - título do mais famoso, hoje um clássico, livro do escritor Cornelius Ryan sobre a invasão - começou de madrugada. Pára-quedistas americanos e britânicos saltaram antes do desembarque por mar para garantir a segurança dos flancos das praias de desembarque.
Desembarcar em uma praia hostil é a mais difícil das operações militares. Júlio César teve esse problema ao desembarcar na Grã-Bretanha, no século anterior à Era Cristã; os britânicos modernos tiveram essa noz para quebrar nas Malvinas, em 1982.
Se o desembarque na Normandia, batizado de Operação Overlord, não tivesse dado certo, a guerra demoraria muito mais tempo para ser vencida e provavelmente os soviéticos teriam conquistado toda a Europa. A Guerra Fria seria algo entre dois continentes, e não entre a metade de um.
Há historiadores que dizem que a invasão poderia ter acontecido em 1943. Mas o risco seria maior - e a invasão não poderia falhar. Os soviéticos imploravam por uma segunda frente contra Hitler desde 1941, quando foram invadidos e pegos de calças arriadas (Stálin havia confiado demais em seu amigo recente e colega ditador).
Dia D, Hora H são termos do vocabulário militar. Significam o dia e a hora de um ataque. Estarão para sempre associados ao mais famoso dos "Dias D": 6 de junho de 1944, A Hora H foi 6h30 da manhã, horário previsto para as tropas vindas do mar desembarcarem em solo francês (os pára-quedistas saltaram antes da Hora H).
Os números do Dia D são superlativos. Arredondando: mais de 12 mil aviões apoiaram 2.800 navios (1.200 de guerra e 1.600 mercantes) para o desembarque de 155 mil soldados. O sucesso anglo-americano-canadense deveu-se a uma esmagadora superioridade material - um sinal indicando o poderio da indústria dos EUA e a hegemonia de sua economia pós-guerra. Boa parte do equipamento britânico-canadense era "made in USA".
Os alemães lutaram como animais acuados. Vários historiadores militares ingleses reconhecem que eles lutaram com mais ferocidade e competência que os aliados, pesquisadores como Ian Hogg ou Max Hastings (o primeiro britânico a entrar em Port Stanley/Puerto Argentino, nas Malvinas, em 1982).
O resultado final demorou algum tempo e em alguns momentos foi duvidoso. Tropas vadeando na praia são extremamente vulneráveis. Das cinco praias de desembarque, tudo ocorreu razoavelmente bem em quatro. Na americana Omaha (nome de código), só à tarde é que a situação se estabilizou. Foi o maior susto aliado.
Um dos comandantes alemães, o general Erwin "raposa do deserto" Rommel, previu que se os aliados não fossem derrotados nas praias, quando ainda estavam vuneravelmente pondo os pés em terra, a Alemanha perderia a guerra.
Uma divisão blindada (Panzer) alemã, a 21.ª, atacou as tropas britânicas desembarcando e quase foi bem-sucedida. Depois desse ataque falhado, os aliados não correram mais riscos graves.
Uma divisão é uma unidade de cerca de 15 mil soldados (o número preciso varia de acordo com o Exército). Os aliados tinham que lidar na França, em média, com cerca de 50 divisões alemãs (o número variava). A União Soviética na mesma época combatia três vezes mais divisões alemãs. De 6 de junho de 1944 em diante, os aliados tiveram de administrar o avanço vitorioso até da Alemanha.
A superioridade da indústria americana foi imbatível. Para cada supertanque alemão Tigre havia cinco tanques americanos Sherman, nitidamente inferiores em termos técnicos. Mas a aviação aliada detonava os Tigres antes que eles causassem problemas.
Na pior hipótese, para destruir um Tigre eram perdidos três Sherman - só que os outros dois prosseguiam o ataque.
Menos abastados, os britânicos procuraram usar a esperteza para vencer o fanatismo nazista. Para penetrar a "Muralha do Atlântico" alemã, produziram tanques especiais para detonar minas, vadear, flutuar, lançar tapetes à prova de atolamento na areia etc.
Mas o mais surpreendente do Dia D não foram as armas, e sim o elemento surpresa. A maior invasão de todos os tempos também foi, paradoxalmente, a surpresa mais brilhante de todas.

Texto Anterior: Combates na frente russa foram mais decisivos do que na França
Próximo Texto: O desembarque do século
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.