São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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A versão e o fato

A versão predominante sobre alguns fatos é muitas vezes mais importante do que os fatos em si. A impressão inicial que a sociedade tiver do plano de estabilização pode vir a ser até mais relevante do que suas reais qualidades técnicas.
Com a aproximação das eleições, as expectativas econômicas dependerão cada vez mais do desenrolar da política. E a campanha, por sua vez, será influenciada pelo desempenho da economia. Essa relação, que ocorre em várias circunstâncias, torna-se mais forte devido à coincidência do início do plano com o período pré-eleitoral.
Até meados de julho é de se esperar que a Copa do Mundo ocupe o centro das atenções. Depois disso, serão as eleições e os índices de inflação as vedetes da opinião pública. E o desempenho da economia no primeiro mês da nova moeda pode ser decisivo.
Os resultados dos índices de julho terão um impacto magnificado pela coincidência entre a data de sua divulgação e o início do horário eleitoral gratuito. Neste, o tema central da disputa entre os candidatos tende a ser o plano econômico. Não necessariamente a realidade do plano, mas sim seu significado no imaginário da população.
Caso a inflação de julho seja "aceitável", o plano ganha credibilidade, a candidatura FHC provavelmente se fortalece e as perspectivas quanto à continuidade da política econômica melhoram. Se, ao contrário, a subida dos preços der a impressão de que mais uma vez a estabilidade fracassou, então pioram as chances de Fernando Henrique e torna-se mais difícil conter a inflação nos meses seguintes.
Os índices de julho, portanto, poderão ser dados de extrema relevância para os futuros desdobramentos políticos e econômicos. Um resultado excepcionalmente bom pode consolidar Fernando Henrique como o principal adversário de Lula e uma onda de otimismo pode até levá-lo à Presidência.
Mas, se a inflação for excessivamente alta, Lula provavelmente será o mais beneficiado, visto ser o candidato que melhor expressa o sentimento oposicionista, de descontentamento com o "status quo".
Por ser também o menos compromissado com as reformas necessárias à manutenção da estabilidade, o crescimento do candidato petista solapa a credibilidade do plano. Nessas circunstâncias, pode-se criar um mecanismo de realimentação entre a candidatura oposicionista e o descontrole da inflação, não se descartando até mesmo uma vitória de Lula no primeiro turno.
Se no período inicial os índices ficarem em uma faixa intermediária e seu impacto político não for definitivo em nenhuma direção, então cresce a disputa pela versão de sucesso ou fracasso do plano.
Nesse caso, o acirramento da campanha em agosto e setembro e a polarização no 2º turno tendem a distanciar o discurso da realidade. Esse descolamento não é uma novidade na política, mas é especialmente prejudicial quando está em jogo a estabilidade da economia.
Pois, se na disputa eleitoral pesa o imaginário da população, para efetivamente governar pesa a dura realidade do país. Resta esperar que o futuro eleito tenha o bom senso de separar discurso e realidade. Afinal, pôr um fim à crise brasileira é um desafio muito maior do que ganhar uma eleição.

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