São Paulo, quarta-feira, 8 de junho de 1994
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Quinto mundo

JANIO DE FREITAS

Que Bill Rhodes, representante dos bancos credores da dívida externa brasileira, fosse premiado por seus representados, seria compreensível. E justo, a julgar pelo peso dos desembolsos que o último acordo impõe ao Brasil. Mas que seja condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul, isto exala uma subalternidade só encontrável nos paisetos mais rastaqueras. Rastejantes.
Aflição em alta
As aflições da candidatura Fernando Henrique deram um grande salto na manhã de ontem.
Ainda ministro das Relações Exteriores, mas já com vistas à candidatura, Fernando Henrique começou a cultivar relações com a cúpula do grupo Globo. Na Fazenda, tornou-as tão estreitas quanto podem ser estreitas relações assim. Os componentes da cúpula do grupo foram elevados a oráculos. De repente, o susto.
Manchete da principal página política do Globo de ontem: "Fernando Henrique isolado na campanha". Antetítulo: "Disputas regionais estão levando antigos amigos e aliados recentes a abandonar o candidato". Quase um epitáfio. Reforçado pela segunda manchete: "Sarney diz que FH não vai bem".
O abalo foi ainda maior porque, há pouco tempo, o candidato recebeu de um dos seus oráculos a preocupada advertência de que não ia bem, as pesquisas privadas demonstravam dificuldades para sua decolagem, não havia mais tempo a perder. Aviso delicado de que o empenho tem um limite, a partir do qual outras soluções devem ser buscadas?
Fernando Henrique não esconde que conta com o plano do real para impulsionar sua campanha. Mas conta com dois impulsionadores reais, sendo o segundo a mais forte moeda política do país, mais conhecida por TV Globo. E, de repente, as duas manchetes tão sugestivas. Seria o prenúncio do limite?
Foi um dia de terremoto na candidatura Fernando Henrique.
Despropósito
Já foi longe demais a reação a Fernando Henrique pelo uso da palavra mulato, tornando até comprometedora a manifestação para a qual representantes do movimento negro pedem divulgação. Não há o que propagar, só há o que lamentar.
Ficou muito claro que Fernando Henrique não teve intenção insultuosa. Nem remotamente, como no caso de certos lapsos de origem inexplícita mas presumível. Atribuir-lhe um propósito tão obviamente ausente induz a suspeita de exploração, esta sim, com fins deploráveis.
Além disso, atribuir a todo uso da palavra mulato um sentido ofensivo ou discriminatório, como tantos estão fazendo, é negar a natureza dinâmica da linguagem, com sua permanente modificação de formas e sentidos. Mesmo que a procedência etimológica de mulato tenha a incomprovada relação com mula, seu sentido não guarda sequer vestígio desta suposta origem.

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