São Paulo, quinta-feira, 9 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Só o Mercosul revoga Tordesilhas

RAFAEL GRECA DE MACEDO

No princípio eram os índios. Araucanos, guaranis, tupis, tupinambás, ianomâmis, tapes, mayas e os incas, com seu império do "Tauhantisuyo", ou dos quatro caminhos.
No princípio eram as selvas, a cordilheira, as praias de indescritível pureza. Na terra, araras e guacamayos, lhamas e papagaios, macacos e guanacos, borboletas amarelas e azuis.
Os índios plantavam e trocavam milho e mandioca, erva-mate e pinhão, tererê e chimarrão.
E nas entranhas da terra adormecida brilhavam prata, estanho, cobre, ouro e esmeraldas.
Foi então que "Deus quis que a terra fosse uma, que o mar unisse, a terra já não separasse".
E vieram as caravelas. Colombo, Cortez, Pizarro, Cabral, Américo Vespúcio.
E na aldeia espanhola de Tordesilhas, há 500 anos completados no último dia 7 de junho, os embaixadores de dom João 2º, rei de Portugal, e dos reis católicos de Espanha, Fernando de Aragon e Isabel de Castela, selaram o tratado que, por arbítrio papal, determinaria aos brasileiros que falássemos português e aos demais latino-americanos que falassem espanhol.
Em 7 de junho de 1594 se fez a partilha, a divisão. E até hoje nós acreditamos nela.
Nem mesmo os sonhos generosos de liberdade, sonhados por homens e mulheres da estirpe de José Martí, José Bonifácio, Tiradentes, San Martin, Manoela de Saenz e Simon Bolivar conseguiram revogar a separação determinada pelos impérios coloniais.
Nem mesmo os sussurros de independência, as juras de inconfidência repetidas à exaustão nos claustros e calabouços de Minas Gerais, de Quito, de Lima, de Assunção ou de Buenos Aires conseguiram criar a "Pátria ancha", ou a "Grande Pátria" sonhada por Simon Bolivar.
Só o Mercosul e os encontros dele advindos, como este 2º Congresso de Marketing do Cone Sul, que a Prefeitura de Curitiba tem visão estratégica de apoiar, são ocasião de revogação desta maldita linha de Tordesilhas.
O momento pede que se revoguem não só os efeitos do tratado, mas as barreiras da cordilheira. O momento pede que se aplainem os caminhos. Um mercado de 240 milhões de consumidores não permite que sejamos pobres.
Nos anos 60, a diplomacia do presidente Kennedy fez reunir, em Punta del Este (Uruguai), os chanceleres de toda a América Latina para pregar uma "Aliança para o Progresso". Era a versão nova da "América para os americanos", do presidente Monroe. Só que, de propósito, esqueciam de dizer se tratar de "América para os americanos do Norte".
Uma autêntica Aliança para o Progresso, a ser feita agora, é o Mercosul. Com seus 240 milhões de consumidores, o nosso mercado pode ser contraposto ao Nafta, ao Mercado Comum Europeu e aos outros blocos econômicos que venham a surgir no mundo.
É uma felicidade que o encontro de marketing do Cone Sul reúna 3.000 negociantes, industriais e pensadores de todas as américas justamente em Curitiba.
Curitiba é exemplo de soluções locais, de pensamento brasileiro, de urbanismo criado com a massa cinzenta dos aqui nascidos. Nada em Curitiba é importado. Nada em Curitiba é colonizado. São 25 anos de respeito ao povo. Nosso marketing se resume na idéia de que "nenhuma cidade presta para ser visitada se não é boa para seu povo viver".
A lição simples de Curitiba, a cidade brasileira que deu certo, que é capaz de ter um sistema de transportes públicos tão eficiente quanto um metrô europeu, que é capaz de níveis de reciclagem de lixo que nem as cidades japonesas conseguiram, é um exemplo a ser compatilhado com todas as sociedades do continente.
Estamos abertos à cooperação. Estamos prontos para o Mercosul.

Texto Anterior: A Bahia e o velho Chico
Próximo Texto: Hiato nas vendas; Contra dúvidas; Mais fumaça; Participação prevista; Peso dos juros; No paraíso; Mais empregos; Na gaveta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.