São Paulo, quinta-feira, 9 de junho de 1994
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Cão é melhor amigo do americano na França

ANITA GATES
DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

Como os parisienses são simpáticos! Eles sorriem quando passam pela gente na rua, nos recebem de braços abertos em restaurantes, hotéis e no metrô, às vezes até fazem caretas engraçadas, para ver a reação. Quer dizer, se estivermos acompanhados de um cachorro.
Agora que eu e minha terrier branca Lillie voltamos de nossas primeiras férias juntas na Europa, sei que farei o possível para nunca mais viajar sem um cachorro.
Vou começar falando da parte desagradável. Ela teve que viajar junto com a bagagem. A Swissair disse que cães com mais de 2,5 quilos não podiam ir na cabine.
Lillie, 5 anos, pesa sete quilos. Passei preocupada cada minuto da viagem de sete horas.
Mas, graças a meio Dramamine (pílula contra enjôos que dá sono) e à atitude "new age" de minha cachorrinha diante das dificuldades, ela surgiu alerta por uma porta perto do carrossel de bagagem.
Lillie não precisou de passaporte. Apenas de uma carta do veterinário identificando-a e garantindo aos governos estrangeiros que estava devidamente vacinada.
O único lugar em que precisei mostrar a carta foi no aeroporto Kennedy, nos Estados Unidos.
Suíca, primeira escala
As férias começaram na Suíça, onde eu e minha prima Lizbeth passamos dois dias com amigos americanos que moram em Céligny, perto de Genebra.
Lillie quase conheceu Jeanne Moreau, a quem vimos em um salão de chá em Romainemôtier, cidadezinha nas montanhas de Jura.
Mas ela (Lillie, não Jeanne Moreau) estava ocupada, sendo torturada debaixo da mesa por um menininho suíço de três anos.
Como não sei dizer em francês "garotinho do inferno, você está apertando tanto o focinho de meu cachorro que ele vai acabar saindo na sua mãozinha pequena, mas poderosa", tive que me contentar com "é muito importante ser gentil com os cachorros".
Jantando à francesa
Lillie nos acompanhou em quase todos os restaurantes. Em Dully, perto de Céligny, Lillie e a Fanny (cachorrinha de uma amiga minha) entraram conosco no restaurante e o maître perguntou: "O cachorro é manso?" (ele ainda não tinha notado que eram dois).
"Muito manso", garantimos, e os dois se sentaram educadamente sob a mesa pelas duas horas seguintes. Em Auxerre, na França, Lillie entrou direto num restaurante formal e ninguém piscou.
Quando pedi para embrulhar as sobras, em francês (minha pergunta, na verdade, foi: "Posso levar esta carne para meu cachorro?"), o garçom voltou com o resto da minha vitela picado em pedacinhos, numa grande tigela, que ele pôs em frente de Lillie. Depois perguntou: "De l'eau?". E voltou com água numa tigela idêntica.
Em outro restaurante, a garçonete trouxe à nossa mesa uma grande travessa de presunto picadinho e perguntou em inglês: "Você acha que seu cachorro vai gostar?"
O único que não permitiu a entrada de Lillie foi o McDonald's em La Louvière, Bélgica, que, embora fosse suficientemente europeu para ter água Evian e cerveja no cardápio, apegava-se às raízes americanas com um aviso na porta proibindo a entrada de cães.
Houve alguns outros poucos lugares onde Lillie não pôde entrar: Palácio de Versalles, Les Invalides e cemitério Père Lachaise.
Mas as pessoas foram a melhor parte da experiência. Lembro de me sentar num banco em Rolle, perto de Genebra, e comer um sanduíche apreciando o lago Genebra.
Lillie, baixinha, não conseguia ver nem o lago, nem os Alpes, e se divertia saudando as pessoas que passavam. Elas sorriam, muitas vezes paravam para acariciá-la e diziam "mignon", que significa em francês "que gracinha".
Quando passamos nosso Peugeot alugado pela fronteira da Suíça para a França, o único comentário do guarda foi alguma coisa sobre "chien" e "mignon". Respondemos "merci" e seguimos.
Quando chegamos a Paris, lembrei que não tinha avisado o hotel de que trazia um cachorro. Quem sabe não é verdade que os franceses sejam loucos por cães, pensei.
Imaginei a irritação que encontraria na recepção do hotel. Mas, quando entramos no saguão, a funcionáriar do balcão saiu de trás dele, pegou Lillie no colo e as duas começaram a se beijar.
Noites em Paris
Na primeira noite em Paris, sentamos num café na calçada, na rue de Sèvres, para um drinque. Tinha uma cadeira livre na mesa, e lá instalamos Lillie.
Na mesma hora, pares de parisienses apressados que passavam, saindo do trabalho, puseram-se a sorrir primeiro para Lillie, depois um para o outro.
Na noite seguinte, ao pegar o metrô, vi um homem bem-vestido, sentado no banco em frente, fazendo caretas para Lillie. Ela o olhava. Ele sorriu para mim, eu para ele, e seguimos em frente.
Bom, houve um incidente desagradável com um parisiense. Uma tarde, na estação do metrô, pus Lillie no colo, para que não fosse atropelada pela multidão. Um jovem virou, acariciou os pêlos de sua cabeça e falou com ela afetuosamente, em francês muito rápido.
Não entendi uma palavra, o que significa que não pude fazer minha voz de cachorrinho e responder por ela. "Je suis desolée", tive que dizer. "Ela é americana.". Nem consigo descrever o olhar de desdém que recebi. Ele virou as costas e foi embora rapidamente.
Ela parece satisfeita, mas de vez em quando surpreendo um olhar longínquo, e sei que está recordando aqueles passeios pela ponte Alexandre 3º e a cidade mágica onde foi tratada como a criatura magnífica que, de fato, é.

Tradução de LIZIA BYDLOWSKI.

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