São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1994
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'Tudo É Verdade' revê Brasil desaparecido

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

'Tudo É Verdade' revive Brasil desaparecido
Filme de Orson Welles deveria servir para aproximar EUA e América Latina na Segunda Guerra Mundial
Filme: Tudo É Verdade (baseado em documentário inacabado de Orson Welles)
Direção: Richard Wilson, Myron Meisel e Bill Krohn
Produção: EUA/França, 1993
Duração: 88 min
Música: Jorge Arriagada
Onde: Espaço Banco Nacional de Cinema, sala 3

"Tudo É Verdade", o filme produzido a partir de fragmentos dirigidos por Orson Welles em 1942, no México e no Brasil, estréia hoje em São Paulo.
O documentário original foi imaginado para ser incluído em um programa de aproximação entre os EUA e o resto da América. Nunca foi terminado. O material produzido perdeu-se por décadas.
Em 1942, o mundo estava em guerra. O governo norte-americano queria que o continente apoiasse seu esforço militar contra o Eixo, a aliança político-militar composta pela Alemanha, Itália e Japão. Havia resistências.
Orson Welles, já visto como um gênio após "Cidadão Kane", foi convidado a participar do programa de "boa vizinhança".
Saiu dos Estados Unidos disposto a fazer um filme que mostrasse alguns aspectos da cultura dos vizinhos. Foi mudando o projeto no meio do caminho, forçado pelas circunstâncias.
Cronologicamente, o filme começou a ser produzido no México, com a história de um tourinho e seu amigo, em uma aldeia.
Depois disso, viriam trechos sobre o Brasil, e possivelmente outros países latino-americanos. Não saiu como ele queria.
O filme que finalmente foi montado, mais de 50 anos depois, começa com uma entrevista de Welles, onde ele explica por que não conseguiu terminar o documentário. A explicação é irônica: foi um pai-de-santo.
Depois lembra dos problemas de dinheiro e conta que um golpe na produtora que o contratara mudou os destinos do filme. Não é só no Sul aqui que há golpes.
Bill Krohn, Myron Meysel e Richard Wilson passaram anos, depois de 1985, recriando, a partir da descoberta dos fragmentos de Welles, a história do filme.
O cantor Peri Ribeiro aparece junto com Grande Otelo lembrando a passagem do diretor pelo Rio. Ribeiro, filho do compositor Herivelto Martins, viu as filmagens.
Grande Otelo também estava lá. Aparece em algumas cenas em tecnicolor, filmadas no Rio em 42, recriando o Carnaval. Cenas belíssimas, quase irreais. Welles ficara fascinado pelo samba. Ficara fascinado pela música. Seu filme tornara-se uma busca do som original do continente.
Mais do que isso, transforma-se, em sua parte brasileira, em um retrato de um país desaparecido, épico, vital. Parece impossível que tudo aquilo tenha sido verdade. O que foi feito para convencer os norte-americanos acaba tendo de convencer os brasileiros.
O diretor tinha outra história: em 41, quatro jangadeiros viajaram do Ceará ao Rio para pedir a Getúlio Vargas e seu Estado Novo o reconhecimento de sua condição de trabalhadores.
Welles se interessa pela odisséia. Conhece os heróis. Quando decide refazer e filmar a chegada da jangada na baía da Guanabara, o líder, Jacaré, morre afogado.
A tragédia é o golpe final na vontade da produtora em financiar o filme. Welles fica sem dinheiro.
Sai com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça. Filma a história dos jangadeiros. Volta ao Ceará. Produz uma obra-prima. Os habitantes do vilarejo estão lá, seus rostos marcados pelo sal estão lá. Poucos conseguiram um retrato tão forte do Brasil.

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