São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1994
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"O Jornal" faz a caricatura da imprensa

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: O Jornal
Diretor: Ron Howard
Elenco: Michael Jeaton, Glen Close, Marisa Tomei, Randy Quaid e Robert Duvall.
Onde: Belas Artes (sala Portinari), Ibirapuera e e Morumbi 5
No filme "O jornal", o jornal é a própria realidade. A ponto de sua impressão (as máquinas rodando) ter o efeito análogo ao de um terremoto no prédio onde trabalham os jornalistas.
Tudo no filme de Ron Howard (ex-assistente de Roger Corman, responsável por "Um Sonho Distante"e "O Tiro que Não Saiu Pela Culatra") gira em torno dessa ambiguidade, uma confusão entre o próprio jornal e o que ele relata. Como se, para viver de verdade, fosse preciso ser jornalista.
A confusão está na cabeça dos próprios jornalistas que o filme trata, aparentemente num tom crítico e sarcastíco.
Todo o drama de "O Jornal" se reduz ao dilema caricatural desses personagens em saber onde (e em que pé) deixaram suas vidas. Se a vida está em ser consumido pela obsessão do jornal ou se está do lado de fora - se há vida sem o jornal, representando como uma espécie de vício alucinado.
No filme, o "The Sun"é um tablóide sensacionalista nova-iorquino concebido à imagem do "The New York Post"e do "Daily News". Os personagens são tipos que, embora caricatos, refletem com um realismo preverso a situação das redações.
Há o velho secretário de redação (Robert Duvall), morrendo de fumar; o editor obcecado e disposto a qualquer coisa por um furo (Michael Keaton) e a ex-editora e atual diretora administrativa (Glen Close) ressentida e capaz de tudo por um pouco mais de poder e dinheiro.
Mas ambiguidade do filme não se reduz à cabeça de seus personagens vivendo a ilusão - com consequências éticas - de estarem criando a realidade. Ela está na cabeça dos próprios realizadores (produtor, roteiristas e diretores) que oscilam entre a crítica e a glamourizações desses tipos.
O filme começa com dois rapaze negros que acham os corpos de dois executivos brancos assassinados no Bronx. Os rapazes são presos sob suspeita de crime racial, enquanto os jornais da cidade se debatem para conseguir o furo do dia e a verdade do crime.
O jovem editor obcecado e inescrupuloso (Keaton) vai passar o dia diante do conflito entre a luta pelo furo e a promessa que fez para mulher grávida (Marisa Tomey), uma repórter que deixou o jornal para ter o filho, de que deuxaria essa vida alucinada por um empreg mais tranquilo e bem-remunerado num jornal de prestígio da cidade (algo mais próximo do "The New York Times").
O jovem editor vai acabar optando, obviamente, pelo furo, enquanto a mulher começa a sangrar sozinha em casa, desmaia e é levada em ambulância para o hospital.
A caricatura dessa opção vai chegar a requintes do sarcasmo, em cenas dignas de pastelão, com o editor e a diretora se esmurrando no meio das rotativas por uma manchete.
Embora caricatural e por vezes perverso em seu sarcasmo, o retrato que "O Jornal'faz do jornal não coloca em jogo a ilusão auto-fágica de que vivem esses tipos - e pela qual estão dispostos a abrir mão de suas vidas. Ao contrário, ele a reforça sob uma capa de gozação.
Em momento algum, a obsessão pelo furo (em sair na frente do concorrente como algo importantíssimo para a humanidade) é realmente questionada.
No fundo, é ela que acaba fornecendo a tensão do roteiro - e o espectador acaba se identificando com o jornalista nessa luta contra o tempo, acreditando que jornal e realidade são a mesma coisa.
O que parece ser uma crítica do jornal, ironizando esses tipos obcecados, serve apenas como um disfarce para o reforço de umavelha imagem romântica americana.
Em "O Jornal" os pobres de espírito se transformam em heróis porque há sempre alguém ainda mais pobre de espírito para servir de vilão.
A conclusão é que, para além de todos os problemas, o jornal e a vida são a mesma coisa.
As cenas finais quando o filme alterna, em montagem paralela, o nascimento do filho do editor, no hospital, e o processo do jornal saindo das rotativas e chegando às bancas são emblemáticas dessa metáfora que seria das mais grosseiras se não fosse cômica.

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