São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1994
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Eu não fiz nada

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Chega a ser inacreditável a intimação da Justiça Eleitoral a Fernando Henrique Cardoso para que responda, em cinco dias, se o seu plano econômico é ou não eleitoreiro.
Equivale a baixar decreto do seguinte teor: "Fica proibido reduzir a inflação em ano eleitoral. Quem o fizer torna-se inelegível".
E se a inflação, em vez de cair, subir? Fernando Henrique pode dizer que o autor do plano é o Lula e o Lula se tornará inelegível?
No limite, ninguém mais pode abrir a boca na campanha. Leonel Brizola, por exemplo, não pode mencionar os seus Cieps. Sempre haverá alguém capaz de provar que, enquanto erguia os Cieps, Brizola já pensava em se candidatar à Presidência. Logo, o Ciep é uma obra eleitoreira.
O horário gratuito vai se limitar a uma frase. O candidato que gritar "eu não fiz nada" estará eleito, porque quem fez e disser que fez será punido.
No fundo, a legislação eleitoral, incluída a que rege a propaganda no horário gratuito, está impregnada de preconceito contra o eleitor. Subjaz a idéia de que o eleitor é um cretino total, que, incapaz de discernir o que quer que seja, necessita de proteção de regulamentos implacáveis, além de burros.
Todo o mundo sabe que uma importante fatia do eleitorado brasileiro é de analfabetos, semi-analfabetos ou mal-informados. Mas cretinos não são.
Ao contrário, têm plena noção do que querem, sabem decodificar as mensagens eleitorais e votam ou com o cérebro ou com o coração ou com ambos, mecanismos de escolha perfeitamente válidos.
Erram muitas vezes, é claro. Mas eu conheço uma porção de acadêmicos de lustroso currículo, repleto de títulos e obras, que votou em Fernando Collor de Mello achando que ele era o anjo salvador e não o vigarista posto a nu um pouco mais tarde.
E o Zé Simão ainda propõe trocar de lugar comigo. Sacanagem, Zé. Com esse tipo de campanha, até eu faço humor. Imagine você, com seu imbatível talento. Não ia ter o menor trabalho. Em todo o caso, estou aberto a negociações, principalmente se puder fazer a crítica só da TV da Catalunha. Topas?

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