São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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Patrícia Melo retrata o 'crime artístico'

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A roteirista e autora de novelas Patrícia Melo escreveu "Acqua Toffana" em 1991, depois de pesquisar durante uma ano em delegacias e tribunais o crime e os criminosos. Achou que tinha história para uma série de TV. Fez um livro. Fará outro.
Patrícia nasceu em Assis, cidade do interior de São Paulo. Mora na capital desde 1978.
Tem 31 anos, uma filha, duas novelas de TV, dezenas de roteiros e um curso incompleto de Letras. Viveu em Lisboa alguns meses, "viajando todo tempo".
Escreveu uma novela com 70% da audiência portuguesa do horário, "A Banqueira do Povo". Trabalhava com Walter Avancini.
A novela contava a história de Branca da Silva, uma mulher de 72 anos que criou uma `corrente' de dinheiro, pagando 10% de juros mensais em uma época que os bancos pagavam 25% anuais.
Quando a ciranda acabou, dona Branca quebrou a banca. Levou milhares junto. Faliu. Foi processada e presa. Morreu em um manicômio judiciário. Sua história ficou uma ano em cartaz.
Antes da experiência portuguesa, Patrícia escrevera outra novela, "Colônia Cecília", vários roteiros e duas peças.
A escritora começou a entrar na TV e a sair da universidade em 1982, quando aceitou o convite de um amigo e foi trabalhar na Rede Globo, na área de projetos educativos. Ficou cinco anos.
Além de duas comédias que devem ser montadas ainda este ano, Patrícia já escreveu quatro capítulos de outro livro, sobre um matador profissional.

Folha - Como nasceu teu livro?
Patrícia Melo - Eu achava curioso que aqui não tivesse nenhuma série de enlatados policiais. Isso em um país que tem uma indústria do crime tão poderosa. Virei rato de Deic, IML, assisti júri.
Folha - Quando?
Patrícia - Em 90. Colhi um grande número de histórias, que eu pensava em transformar em um projeto de TV. Tinha muitos amigos que me ajudavam. Quando acabei, vi que tinha um romance.
Folha - E a pesquisa?
Patrícia - Hoje eu tenho um arquivo muito bom. No percurso da pesquisa, eu vi o lado da vítima. Eu me sentia muito do lado dela. É muita barra. As histórias são absurdas. Não há ficção que alcance.
Folha - O que você queria escrever?
Patrícia - Eu queria fazer um tratado do medo. E queria o lado cruel. Um assassino desgraçadamente científico, alguém que estuda como vai matar. Um sujeito que tem método.
Folha - Como fica a relação entre teu trabalho de roteirista e a literatura?
Patrícia - Minha literatura vem da imagem, da TV, do cinema. Eu tento usar o processo de edição, como se trabalha em uma mesa de edição.
Folha - Como é teu método?
Patrícia - Robert Louis Stevenson diz uma coisa curiosa. Que ele não tinha trabalho nenhum. Dormia e duendes escreviam tudo na cabeça dele. Só tinha o trabalho de acordar e pôr no papel. Quando sentei no computador para começar a escrever, tive essa impressão. Mexi pouquíssimo. Foi uma coisa vulcânica.
Folha - Como é a relação entre a violência e teu livro?
Patrícia - Eu percebi que há uma violência industrial, que nem te sensibiliza. A gente se anestesiou com este tipo de violência.
Essa violência de massa não era o que eu queria. O crime pela necessidade é boçal. Na pesquisa eu comecei a prestar mais atenção aos crimes cometidos pelo excesso, pelos psicopatas, que formam a "categoria artística" dos criminosos. Não buscam um atalho para a riqueza, mas para o prazer.
A loucura me espanta. Como alguém consegue matar o pai, a mãe, os irmãos? É na cabeça desse cara que eu quero entrar. Depois eu abandonei tudo isso e me concentrei na loucura dos dois personagens, no inferno deles.

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