São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Nem Fernando Henrique nem Lula

JOSIAS DE SOUZA; PAULA CESARINO COSTA
EDITORA DE POLÍTICA

Em sua última coluna, a ombudsman da Folha, Júnia Nogueira de Sá, acusou o jornal de estar beneficiando em seu noticiário um dos candidatos à Presidência, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. A ombudsman cometeu uma injustiça. Ao contrário do que afirmou, o noticiário tem se mantido fiel ao preceito de apartidarismo que, com acerto, é cultivado pela Folha.
Júnia também violou o saudável procedimento de "ouvir o outro lado", no caso, alguém que falasse em nome do jornal. Como faz o jornal, a ombudsman deveria se obrigar a ouvir e registrar diferentes versões. Não se pretende aqui questionar o sagrado e intocável direito de crítica da ombudsman. Objetiva-se apenas evitar que uma avaliação equivocada fique sem resposta. Corre-se o risco de a versão ser tomada como verdade.
Sabe-se que o jornalismo diário é uma atividade sujeita a falhas, porque é feita às pressas. O atropelamento do fechamento de cada edição é um convite ao erro.
Daí a importância de um ombudsman. Aliás, não fosse pela imperfeição inerente à atividade jornalística, a função hoje exercida por Júnia inexistiria.
Mas, a Redação não detém o monopólio do erro. A ombudsman também comete seus equívocos, como no último domingo.
A pretexto de apontar supostos erros da semana que se encerrava, Junia enxergou "fernandohenriquismo" em toda a cobertura que a Folha faz das eleições.
Eis com precisão o injustificável desacerto de Junia: a generalização. Com base no noticiário de uma escassa semana, jogou no lixo o trabalho de meses.
Em resumo, a ombudsman disse que, na semana em questão, a Folha utilizou critérios distintos no noticiário sobre FHC e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Tomando a defesa dos leitores simpatizantes de Lula e, por consequência, do próprio candidato petista, Junia sustentou que a Folha reserva para FHC textos mais benevolentes. Foi então que generalizou: "O jornal usa dois pesos e duas medidas, não é de agora, quando fala de FHC e de Lula", apontou.
A ombudsman foi além: "O que escrevi aqui é apenas um exemplo, mas, baseado nele, o leitor pode encontrar muitos outros em quase todas as edições da Folha" (grifo nosso). Não parou aí: "O 'fernandohenriquismo' se manifesta em títulos mais generosos, coberturas menos ácidas , na cobrança menos estridente.
Mesmo que se admitisse, apenas para efeito de raciocínio, que Junia tem razão quanto às críticas ao noticiário daquela semana, há que de condenar com veemência a criminosa, e inconcebível generalização.
Em respeito aos leitores que Junia deveria representar, petistas e tucanos, políticos e apolíticos, é preciso que se recomponha a verdade.
A ombudsman deveria fazer um mergulho na coleção de edições recentes da Folha. Se a imersão for desapaixonada, Junia há de reconhecer que errou.
Se tiver fôlego para alcançar a edição de 14 de maio de 94, Junia encontrará, por exemplo, reportagem sob o seguinte título: "FHC começa campanha sem programa".
Se folhear o jornal do dia seguinte, a ombudsman decerto deparará em outra reportagem: "FHC é vaiado e muda discurso".
Os textos que deram origem aos dois títulos nada "fernandohenriquistas" relatam os dissabores de FHC na convenção partidária que o referendou como candidato.
Há ainda, na mesma edição, reportagem que a ombudsman poderia classificar como uma cobrança: "Inflação aumentou 16 pontos com FHC".
Se recuarmos um pouco mais, encontraremos na edição do dia 9 de maio reportagem que informa sobre os "gastos irregulares" dos candidatos, inclusive de FHC.
Informou-se que, com a candidatura ainda por ser oficializada em convenção, candidato voava sob o patrocínio da empresa Antares, do tucano Ronaldo ..... Coelho.
Notícia complementar, publicado abaixo do texto principal, informou que o TSE considera irregular esse tipo de despesa, feita sem a emissão de bônus eleitorais.
No campo financeiro, a Folha voltou a dispensar a FHC tratamento que ombudsman por certo classificaria como "ácido". Foi na edição de 7 de maio.
"Empresas cedem ônibus a FHC sem bônus", dizia o título de reportagem sobre a passagem do candidato tucano pela cidade de Aracaju (SE).
Um dia antes, o jornal publicou reportagem que poderia levar um leitor desatento a imaginar que um surto de "lulismo" se abateu sobre a edição.
Dizia o título da notícia: "FHC usa estrutura do Senado na campanha". O subtítulo complementava a informação: "Candidato utiliza telefones, faz e funcionários do gabinete do Senado; TSE considera o fato crime eleitoral".
Retorne-se à edição do dia 27. Apegado ao seu apartidarismo, a Folha ampliou o leque: "Lula, Amin e FHC se unem contra a lei", dizia o título de nova reportagem.
O texto informava que FHC e Lula desculparam-se mutuamente pela utilização eleitoral de carro de som de um sindicato e da estrutura do gabinete no Senado.
Informou-se, de quebra, que Esperidião Amin, candidato do PPR, a exemplo a FHC, também se valia dos recursos públicos de seu gabinete no Senado.
Mas não nos desviemos de nosso objetivo central. Voltemos ao tratamento "fernandohenriquista" de que nos acusa a ombudsman.
Para poupar o tempo do leitor e o espaço destinado a esta resposta, deixaremos de mencionar os detalhes do noticiário sobre a aliança de FHC com o PFL de Antônio Carlos Magalhães.
Se a ombudsman tiver interesse, basta que folheie edições recentes da Folha. Há de deparar com reportagens acerca dos titubeios que marcaram o casamento de FHC com uma "noiva" que abominava.
Há fatos mais relevantes a serem recordados. Por exemplo: as notícias, publicadas em 31 de maio e 1º de junho, sobre a manipulação política o Orçamento da União.
A verba destinada à ferrovia Norte-Sul subiu de US$ 132 mil para US$ ..... milhões no orçamento deste ano.
Não por acaso, a mudança foi providenciada depois que FHC começou buscar o apoio do ex-presidente José Sarney, fervoroso defensor da Norte-Sul.
O município de Contagem, reduto tucano onde o PSDB fez a sua convenção, recebeu toda a verba que o DNER destinou para Minas Gerais em 93 e ... (US$ 2,4 milhões).
Nos últimos dias, a Folha envolveu-se numa polêmica com FHC. Depois e afirmar que tinha "um pé na cozinha", o candidato se autodesmentiu.
Como dispunha de uma gravação, o jornal reafirmou o que havia publicado. .... prática, chamou FHC de mentiroso.
Assim como a ombudsman enxergou "fernandohenriquismo" no jornal, alguém que não esteja familiarizado com a Folha poderá imaginar, diante dos exemplos arrolados acima, que se abateu sobre a redação um "lulismo" irrefreável.
Na última quarta-feira, enquanto inaugurava o seu comitê de campanha em Brasília, FHC deu mostras de que não concorda com a ombudsman da Folha.
"Vou cumprimentá-lo para que a Folha o demita", disse FHC, em tom irônico, ao apertar a mão do repórter Tales Faria, da Sucursal de Brasília.
FHC e toda a sua equipe estão convencidos de que a Folha dispensa à candidatura do PSDB um tratamento pouco amistoso, ou "ácido", para voltar à palavra da ombudsman.
O mesmo se passa com Lula e seus auxiliares, cuja irritação com a Folha é igualmente indisfarçável.
A simultaneidade dos ataques ao jornal demonstra que a Folha não "fernando....." nem "lulou". O noticiário está voltado para os interesses de uma só pessoa: o leitor.

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