São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Reiventar o governo

ANTONIO KANDIR

Reinventar o governo
A insatisfação com o desempenho dos governos não é um fenômeno apenas brasileiro, embora aqui ele se manifeste com particular intensidade. Também nos países desenvolvidos há hoje a percepção de que os governos são ineficientes na alocação dos recursos públicos e na oferta de bens e serviços. Para quem duvida, recomendo o livro "Reinventando o Governo", de David Osborne e Ted Gaebler (Editora MH Comunicação, 1994).
Na raiz dessa insatisfação generalizada está a crise das grandes organizações burocráticas, das quais o Estado é não apenas um exemplo, mas o maior deles. As razões que colocaram em xeque empresas hipertrofiadas, excessivamente hierarquizadas, não diferem em natureza das razões que alimentam a insatisfação crescente em relação ao desempenho dos governos.
As grandes organizações burocráticas tiveram importância decisiva para a construção dos Estados nacionais e o desenvolvimento do capitalismo industrial. Representaram uma força de racionalização tanto no plano das políticas de governo quanto no da produção.
No plano político, contrapuseram-se à prevalência de regras e práticas incompatíveis com a eficiência técnica e a impessoalidade. No plano da economia, permitiram a produção em série e em larga escala, condição necessária, ainda que insuficiente, para a formação de um mercado de massas e a construção de Estados de bem-estar social.
Ocorre que hoje os tempos são outros. Essas formas de organização da produção e do governo correspondem a sociedades em que era menor a velocidade da mudança, em que hábitos e necessidades não se alteravam e se diferenciavam com tanta celeridade, porque ainda não se haviam desenvolvido tecnologias de utilização altamente flexível que revolucionaram a produção capitalista e possibilitaram fluxos de informação em escala antes inimagináveis.
À medida que a velocidade das mudanças acelerou-se e generalizou-se em dimensões globais, as velhas formas de organização da produção e do poder entraram em crise. As empresas, organizações menos complexas que os governos, responderam mais rapidamente a esses estímulos de mudança, favorecendo a ideologia de que tudo que é privado é bom e tudo que é público não presta. De modo sintomático, nos países em que o Estado soube captar antecipadamente o sentido dessas mudanças, essa ideologia tosca não fincou raízes.
No Brasil, ela disseminou-se largamente, constituindo-se não apenas num sintoma da crise, mas também num fator de crise. No pólo oposto, cristalizou-se, em segmentos da burocracia pública e entre membros de partidos políticos a ela mais fortemente associados, uma resistência encarniçada e conservadora a toda e qualquer mudança que afete o "status quo". Vencer essas resistências e opor-se aos que querem levar o Estado à mais profunda anemia, é hoje tarefa prioritária das forças políticas interessadas em reinventar o governo.
Reinventar o governo implica não apenas redefinir quais são hoje as funções necessárias do Estado, mas também alterar a forma de organização, as práticas, a mentalidade da burocracia pública, capacitando-a para responder bem às demandas da população e às necessidades do país.
É preciso reconstruir a burocracia pública em bases mais flexíveis, submetê-la à concorrência na prestação de serviços e oferta de bens, controlar-lhe os resultados e não o cumprimento burocrático de normas, estimular a transferência de poder para os órgãos descentralizados, favorecer formas de controle por parte da clientela e a parceria com entidades privadas com ou sem fins lucrativos.
Para pôr em marcha a reinvenção do governo, é preciso haver lideranças com capacidade para entender as transformações do mundo contemporâneo e coragem para comandar mudanças profundas nas estruturas do Estado.

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