São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Quem ri por último, ri muito melhor

JOCIMAR DAOLIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estamos às vésperas de outra Copa do Mundo. Como acontece a cada quatro anos, o país se prepara numa ruidosa ansiedade à espera do que pode se constituir na conquista do tetracampeonato.
Os órgãos de imprensa vão dispendendo um espaço crescente à cobertura da Copa; o comércio, aproveitando a onda, vai se colorindo de verde e amarelo e incrementando seus lucros; as pessoas começam a torcer, discutindo a melhor escalação, os adversários preferidos, os erros e os acertos do técnico.
É justamente durante o período de preparação e realização de uma Copa que podemos observar mais nitidamente o fascínio que o futebol exerce nos brasileiros.
E isso não é de hoje! O esporte, que chegou ao Brasil no final do século passado e começou a ser praticado pelas elites, já nas primeiras décadas do século se popularizou, chegando hoje a ocupar o lugar de esporte número 1 do país.
Aliás, o futebol no Brasil é mais do que um esporte: é uma forma de expressão da nossa sociedade, retratando todas as contradições do homem brasileiro, seus valores, anseios e emoções.
Não é à toa que um menino, quando nasce, recebe, além de um nome e uma religião, um time de futebol para o qual ele irá torcer por toda a vida. Parece que o indivíduo brasileiro, ao longo dos anos, foi encontrando no futebol um veículo para vivenciar e expressar suas emoções.
Como ser emocional que é, o homem busca oportunidades e momentos para viver seus sentimentos e, assim, poder compreendê-los. É nesse entrejogo entre o racional e o emocional que o homem vive e dá sentido à sua vida. No caso brasileiro, o futebol, embora não exclusivamente, parece estar propiciando esta necessária vivência de emoções.
O estádio de futebol se constitui num verdadeiro caldeirão, onde os torcedores cozinham seus sentimentos. Vive-se prazer quando o time para o qual se torce marca um gol; vive-se tristeza numa derrota; vive-se humilhação quando o time perde por goleada; vive-se alegria na vitória; vive-se ódio por um árbitro; vive-se esperança na luta por um título.
Os sentimentos que o cidadão sente ao longo de toda sua vida, em várias situações e motivados por várias causas, ele vivencia também através do futebol.
Talvez por não compreender que o futebol reflete a sociedade, alguns intelectuais já falam que a conquista da Copa seria prejudicial para a consciência dos cidadãos num ano de eleições presidenciais.
Com um ponto de vista estagnado na década de 70, quando o Brasil foi campeão do mundo em meio à intensa repressão militar, algumas pessoas ainda acham que o futebol é o ópio do povo, contribuindo para um obscurecimento da consciência crítica dos indivíduos.
A idéia de que o futebol pode mascarar as questões sérias da sociedade incorre em um grande equívoco. Além da pretensão de definir o que é e o que não é sério na sociedade brasileira, essa idéia pressupõe o futebol como desvinculado da sociedade, como um apêndice dela que pode atrapalhar o seu desenvolvimento.
Pelo contrário, acreditamos que a participação do Brasil na Copa pode contribuir para a cidadania brasileira na medida em que exercitar o forte sentimento nacional de resistência às adversidades, sentimento que se completa e se explicita no ditado popular "quem ri por último, ri melhor".
A seleção pode realizar a tarefa, exercida por Senna há até pouco tempo, de propiciar na população um sentimento de pertenciamento, de se sentir coletivo, de estar junto com mais gente, de executar um projeto comum, de ser nação; enfim, de ter orgulho de ser brasileiro.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna diária de MATINAS SUZUKI JR.

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