São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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De volta para o futuro

DE VOLTA PARA O FUTURO

A coincidência de eleições e plano econômico vem há meses gerando as mais desencontradas avaliações. Parece afinal incerto se a coincidência será positiva ou não.
O certo é que a sociedade está enfastiada de soluções milagrosas e de profetas de ocasião. As expectativas econômicas, em meio às incertezas criadas nas últimas semanas, revelam uma descrença inquietante e o temor de inflação significativa sob o real. O pessimismo ainda predomina. Sabe-se pouco do plano, entende-se-o menos ainda, embora os especialistas acreditem na sua eficácia –sob condições, por algum tempo, se variáveis políticas não surpreenderem.
Talvez consciente dessa dificuldade e, como o homem comum, cético das argumentações tecnocráticas, veio ninguém menos que o presidente da República exigir providências mais imediatas e claramente populistas na regulamentação das mensalidades escolares.
Nesse momento de paixões acesas, "et pour cause", é preciso mais uma vez insistir no que ninguém pode negar, embora muitos prefiram desconsiderar: raras vezes esteve a economia brasileira tão próxima de uma estabilização duradoura, com condições objetivas tão favoráveis, ainda que à custa de longos anos de frustrações e sacrifícios sociais já intoleráveis.
A economia brasileira logrou em 1993, submetida a uma concorrência externa crescente, manter-se competitiva, aumentar a produção e a produtividade e melhorar a qualidade de seus produtos. Ou seja, o programa de estabilização contará com uma capacidade renovada de oferta de produção agrícola e industrial. Não será necessária uma recessão, bastará uma prudência mínima para que não se ponha a perder o ajuste dos últimos anos.
Há o artifício da chamada âncora cambial, que a muitos parece arriscada demais. Entretanto, aqui também é importante uma visão mais ampla. Não se trata de usar o congelamento do câmbio apenas para induzir a paralisação da inflação.
O câmbio tem outra função, estratégica e de longo prazo: colocar a economia brasileira no mapa do investimento internacional. Ao longo de vários anos tem ocorrido uma gradual liberalização cambial e financeira que cumpre esse papel.
Ou seja, a segurança dada por essa âncora não depende apenas do volume de reservas no Banco Central (estoque estratégico para enfrentar as turbulências de curto prazo). Ela será ainda maior conforme a capacidade das empresas brasileiras, do governo e da política econômica de continuar atraindo capitais externos e de conquistar mercados internacionais. Como no caso dos aumentos de produtividade e competitividade, essa lógica já vem sendo seguida por muitos e aprofundá-la é o grande desafio.
Uma economia na qual aos poucos se promove um ajuste fiscal, crescem a produtividade e a competitividade e existem formas cada vez mais flexíveis de inserção internacional cria, por definição, condições mínimas para alcançar a estabilidade e retomar o crescimento.
O plano de estabilização vai eliminar a correção monetária, mas a economia real que –espera-se– virá à tona é fruto de um ajuste de prazo mais longo que, é bom notar, já está em curso. Sem esse ajuste iniciado, a tentativa de estabilização seria totalmente espúria. Sem uma estabilização corajosa, corre-se o risco de perder mais uma década na especulação financeira e no desperdício de recursos, ameaçando até mesmo a reestruturação produtiva que já alcança muitos setores.
Poucos talvez já se deram conta de quanto mudou a estrutura real da economia brasileira ao longo da crise dos últimos anos. A estabilidade de preços obtida sem um congelamento artificial tornará ainda mais visíveis esses horizontes.
Há também desafios enormes que ninguém teve a coragem de enfrentar até agora e cuja vergonhosa perpetuação coloca em xeque não apenas o ajuste econômico mas a própria convivência social civilizada. É o caso, em especial, da reforma do Estado e da construção das políticas sociais, tarefas que ultrapassam a gestão emergencial de Itamar Franco. Mas depois da década perdida, temos novamente a esperança de poder encarar de frente a viagem de volta para o futuro.

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