São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 1994
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Deus seja louvado!

CARLOS HEITOR CONY

Carlos Heitor Cony
RIO DE JANEIRO – O governo estabeleceu multas e prisão preventiva para aqueles que estão remarcando os preços abusivamente. Veio tarde a medida. Mesmo assim, acredito que não terá a eficácia desejada. A prisão preventiva tem parâmetros legais, é recurso condicionado a casos específicos e determinados por leis maiores.
Além do mais, no trivial variado que a situação comporta, será aplicada a gerentes, a funcionários de terceiro escalão que estarão dando sopa nos supermercados e serão submetidos ao vexame da prisão sem culpa formada. Quem marca e remarca os preços, abusivamente ou não, são as diretorias, os executivos –e esses dificilmente serão presos preventivamente ou não.
As multas sim, podem exercer uma pressão eficiente na prática dos preços. Mas o Estado não dispõe de um aparelho fiscal azeitado e onipresente para cuidar de cada caso. Os autos de infração sujeitos às explicações posteriores, aos recursos e, até mesmo, ao suborno. Vivemos no Brasil.
Não será por aí que os preços se estabilizarão. A economia nacional está desarrumada, ela é efeito e não causa da inflação. Qualquer indivíduo dotado de bom senso sabe o que provoca e alimenta a inflação. O plano econômico pretendeu curar a febre do doente mexendo no termômetro, alternando as escalas por onde sobe o mercúrio. É fácil fabricar um termômetro onde, por mais que o mercúcio suba, estará sempre abaixo daquele "37" que vem em vermelho. É mais ou menos isso que vamos ter, com o real.
O governo não cortou um milímetro de sua gordura. Quando corta, corta a gordura dos outros, do próprio mercado em suas duas pontas: a produção e o consumo. Corta verbas sociais disso ou daquilo –mas seus gastos operacionais continuam intactos. A taxa de juros permanece astronômica –e a desculpa oficial é controlar o consumo e garantir a sobrevivência dos bancos. A febre continuará aumentando. Mas o termômetro –Deus seja louvado!– indicará talvez uma estabilização.
E o primeiro gerente de supermercado, o primeiro feirante que for levado de camburão dará a Itamar Franco a sensação de que está cumprindo o seu dever.

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