São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cavani supera limites de Mickey Rourke

FEDERICO MENGOZZI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Liliana Cavani não é uma cineasta de obras-primas, mas é impossível colocar na lata de lixo da história qualquer uma de suas obras-últimas. Última de ultimato, de limite, de confronto, como em "O Porteiro da Noite" e "A Pele". E mesmo em "Francesco", sobre São Francisco de Assis.
Não é a primeira vez que Liliana aponta a câmera para a figura do "poverello" de Assis. Elogiada documentarista, estreou na ficção cinematográfica com "Francesco d'Assisi", de 1966.
"Francesco", como no filme de 1966, preocupa-se pouco com a santidade –ou o mito– e muito com a atormentada e rigorosa opção pelos pobres de Francisco de Assis. A redenção começa pela escolha dos atores. Liliana escolheu Los Castel, no primeiro filme, e Mickey Rourke, no segundo, atores conhecidos por seus personagens amorais e cínicos.
O filme discorre, após a morte do santo e a partir de lembranças daqueles que o acompanharam. É sobre o dilema e a resistência que cercou a aceitação das rigorosas normas franciscanas. É essa a essência da vida de quem tratava um leproso ou a própria morte como irmãos e via toda a natureza como uma manifestação divina.
Antes de Liliana, o mestre Roberto Rossellini se interessou pela vida revolucionária do santo e, com o auxílio de Fellini no roteiro, rodou um filme que desagradou a direita e a esquerda, "Francisco, Arauto de Deus". As lições rossellinianas, tomadas de toda a sua obra e, particularmente, do despojado "O Messias", são evidentes em "Francesco".
É um filme sem o brilho visual de "Irmão Sol, Irmã Lua", de Zeffirelli, mas também sem a vacuidade hollywoodiana de "São Francisco de Assis", de Michael Curtiz. Inútil qualquer tentativa de plasticizar quem teve a vida retratada por ninguém menos que Giotto di Bondone, um dos pais da moderna pintura ocidental, deve ter pensado a cineasta.
Liliana não conseguiu fugir a um dos estigmas do cinema italiano, que é depositar toda a fé na força de bilheteria de um astro estrangeiro. Aliás, Rourke consegue superar seus limites, despir-se do glamour e mostrar a decadência física e a ascensão espiritual do santo que tinha tudo por nada ter.

Vídeo: Francesco
Direção: Liliana Cavani
Elenco: Mickey Rourke, Helena Bonham-Carter, Andrea Ferreol
Distribuição: Flashstar (tel. 011/255-9911)

Texto Anterior: SHEILA GOLOBOROTKO
Próximo Texto: "Malcolm X" vai ao xis da questão racial
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.