São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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Máquinas redesenham o Brasil

Informática recupera terreno perdido na cartografia

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 19/06/94
O quadro "O que já foi feito", publicado com esta reportagem,, erra ao informar que o mapa indica áreas já cartografadas na escala 1:1.000.000. Na realidade, ele abrange cartas de várioas escalas, de 1:25.000 a 1:1.000.000, realizadas a partir de levantamentos aerofotogramétricos.
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Erramos: 23/06/94
Esta reportagem atribui incorretamente a Anna Lúcia Barreto de Freitas, chefe do projeto de informatização do IBGE, a afirmação de que não se pode ensinar a máquina a diferença entre um rio e uma estrada. O que ainda depende exclusivamente de seres humanos é a atribuição de nomes a acidentes geográficos (toponímia). Sistema de processamento de imagens por computador dispõem de meios para reconhecer classes de padrões de imagens, como massa d'água, cobertura vegetal, pavimento de estradas, etc.
Máquinas redesenham o Brasil
Fala-se muito, hoje em dia, em redesenhar o país. Enquanto este projeto figurado não se concretiza, um exército de 220 cartógrafos encara a tarefa em sentido literal. De seu trabalho está nascendo um novo Atlas Nacional e a primeira mapoteca digital do país.
O quartel-general é a Diretoria de Geociências do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O comando da ação está a cargo do seu Departamento de Cartografia.
O teatro de operações são os 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território nacional. Do lápis às estações gráficas digitais de milhares de dólares, vale todo tipo de arma nessa guerra –contra o tempo e a falta de recursos.
Para lançar uma nova edição do Atlas Nacional, por exemplo, o IBGE pediu socorro à Petrobrás. Ela vai co-patrocinar a publicação atualizada, prevista para outubro.
A edição anterior, de 1992, esgotou-se em dois meses. A tiragem era de apenas 2.000 exemplares.
Parte deles foram presenteados aos chefes de Estado presentes à Eco-92, a conferência da ONU sobre meio ambiente, no Rio. O restante evaporou das prateleiras. Mais de 4.000 pedidos ao IBGE deixaram de ser atendidos.
O novo volume trará os dados do censo de 1991, que não entraram na edição anterior.
Há muitas atualizações também nas cartas de relevo, fauna ameaçada de extinção, densidade populacional e tamanho das cidades. Duas novas pranchas, fornecidas pela Petrobrás –contemplando bacias e produção de petróleo– serão incorporadas ao livro.
O Atlas está longe de ser o maior desafio. Duro, num país que nem sabe quantos de seus cidadãos passam fome, é cumprir a meta de mapear o território nacional em detalhe até 400 vezes maior.
Iniciada em 1890, essa guerra ainda não terminou. Foi iniciada pelo Exército, ainda hoje o maior aliado do IBGE (ambos dividem a responsabilidade de cartografar o país, segundo o Decreto-Lei 243, de 1967). Para decidi-la, as duas instituições apostam na tecnologia.
O IBGE trabalha com seis escalas principais, entre 1:25.000 e 1:1.000.000. O mapeamento do país por métodos tradicionais –levantamentos aerofotogramétricos (fotografia aérea), e restituição (desenho)– só foi completado para esta última, a menor (veja ilustração abaixo), resultando em 46 mapas.
Na escala maior, mais detalhada (1:25.000), ficaram prontas até agora só 492 cartas. Ou seja, 1% das mais de 40.000 necessárias.
O Atlas em preparo segue uma escala ainda menos detalhada (1:10.000.000). Suas pranchas são confeccionadas por compilação. É uma espécie de cópia, durante a qual se eliminam aqueles acidentes geográficos que, por uma questão de tamanho ou falta de importância, não cabem naquela escala.
Para fazer a compilação, no entanto, é preciso ter antes um outro mapa. E a produção destes originais, seja em que escala for, dá um trabalho insano. Boa parte dele ainda é feito como há 50 anos, quando ainda não havia computadores e satélites.
Entre as fotos aéreas e o mapa impresso há dois gargalos, explica Isabel de Fátima Teixeira Silva, chefe do Departamento de Cartografia: a restituição e a preparação de originais para impressão.
A restituição, ou transferência dos elementos identificados na foto para o papel, era feita tradicionalmente. Desde 1991, o IBGE conta com quatro microcomputadores para auxiliar nesta função.
Eles funcionam acoplados a um aparelho chamado aviógrafo. Com este dispositivo é possível criar uma imagem tridimensional a partir de duas fotos aéreas, tomadas de ângulos diferentes.
É indispensável, pelo menos por enquanto, que um operador humano "ande" pela foto. Assim ele refaz o contorno do acidente, na forma de um traço –não mais sobre o papel, mas na tela do micro.
Não há também como ensinar às máquinas, com a tecnologia atual, a diferença entre um rio e uma estrada, diz Anna Lucia Barreto de Freitas, chefe do projeto de informatização da cartografia.
Os computadores não servem só para ganhar tempo. Com a digitalização dos mapas, melhora muito a qualidade das informações.
Cada elemento do mapa ganha seu próprio código, uma espécie de número de identidade. Com base neles é possível criar elos com a base de dados gerados por outros setores do IBGE, dos tipos de vegetação à demografia.
Isso permite representar sobre mapas todo tipo de informação. É o que se chama de Sistema de Informações Geográficas (SIG), uma ferramenta essencial para governos e empresas (leia reportagem na página ao lado).
O embrião dele, no IBGE, está no Projeto Infocar (Informatização Cartográfica). É também a solução mais moderna para o segundo gargalo, o da geração de originais para impressão dos mapas.
Tudo teve início em 1990, com US$ 800 mil, do Banco Mundial, de uma linha de financiamento para modernização do setor público. Para comparação, basta dizer que esse valor daria para reformar menos de 8 km de estradas federais.
Com a verba foram compradas três estações gráficas, para processamento de mapas digitais, e uma máquina que serve tanto para digitalizar mapas existentes quanto para produzir as matrizes (fotolitos) dos novos que serão impressos.
O objetivo é chegar a uma mapoteca digital. Ou seja, a uma coleção de mapas arquivados na forma de bits e não fotolitos (sete, ao todo, para cada mapa, e cada um deles produzidos artesanalmente).
Como primeira meta, o Departamento de Cartografia quer digitalizar as 46 cartas da escala 1:1.000.000. Este trabalho pode ser feito em dois anos, avalia Freitas, se mais quatro estações se somarem às três recebidas para a fase atual, de desenvolvimento.
Para atacar as outras escalas, o plano do IBGE é chegar a 12 estações. Custo desta segunda fase de informatização: US$ 4,5 milhões. Uma verba 12 vezes menor do que o lucro líquido da mesma Petrobrás em 1992 –mas que não está no mapa. Do Brasil. De hoje.

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