São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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O real e o ciclo político

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

De acordo com o bom-senso e a teoria do ciclo político, no momento em que se aproximam as eleições o governo federal, que apóia Fernando Henrique, deveria procurar expandir a economia ou pelo menos evitar de todas as formas uma recessão.
O próprio candidato deveria se opor a quaisquer medidas de aperto monetário e fiscal, que aumentariam o desemprego e dificultariam sua eleição.
Este "bom-senso" eleitoral, entretanto, é essencialmente equivocado, por uma razão muito simples: a vitória de Fernando Henrique nas eleições presidenciais será assegurada pelo êxito do Plano Real (que é o seu plano), e este, por sua vez, só poderá ser vitorioso graças a uma estrita disciplina fiscal e monetária no segundo semestre deste ano.
É claro que os populistas de todos os matizes, que dominam a campanha dos demais candidatos, estão também presentes na de Fernando Henrique e no Palácio do Planalto.
Todos brandindo a teoria do ciclo político, segundo a qual os governantes tendem a apertar os cintos e pôr a economia em ordem nos primeiros dois ou três anos de governo, para, no final, poder soltar as amarras e expandir a economia.
Ora, essa estratégia é perfeitamente racional em países de moeda estável, em que a inflação, quando o dirigente político assume o governo, é "altíssima" (digamos, de 6% ao ano). Durante os dois primeiros anos o governante logra baixá-la para 4%, para, no final do seu mandato, deixá-la subir para algo em torno de 5% e assim assegurar sua reeleição.
Quando, entretanto, a inflação é de 45% ao mês, a situação muda de figura. A teoria do ciclo político deixa de funcionar, porque agora a melhor forma para o governante assegurar a sua reeleição ou a eleição de seus candidatos é combater e controlar a inflação.
Não importa que esse combate implique algum desemprego adicional. O custo de continuar a empurrar com a barriga a crise é tão maior, que os dividendos eleitorais de controlar a inflação se tornam muito maiores do que os prejuízos políticos decorrentes da recessão.
O governante poderia ainda hesitar se não dispusesse de meios para controlar a inflação. Mas este não é o caso. Através de um plano extremamente competente como é o Plano Real, temos condições efetivas de zerar a inflação nos próximos dias.
A economia, durante a fase URV, está se comportando de maneira muito favorável.
Minha previsão pessoal era de que, nessa fase, a inflação se aceleraria moderadamente, na medida em que as empresas procurariam converter seus preços para valores acima da média. Não foi, entretanto, o que ocorreu, de forma que a inflação permaneceu, nestes últimos três meses, praticamente estável.
A mudança de patamar –de 40% para 45%– ocorreu logo após o anúncio do plano em novembro passado, antes, portanto, das conversões para URV, que só foram autorizadas a partir de abril. Esta estabilidade da inflação é uma indicação segura de que os preços relativos estão equilibrados.
Dentro desse quadro, seria absolutamente irracional do ponto de vista político pretender aplicar a teoria do ciclo político às atuais eleições. Na verdade, seria suicida.
Fernando Henrique sabe muito bem disto, e é exatamente por essa razão que, na última semana, circulou a idéia de que não era tanto a sua candidatura que dependeria do êxito do plano, mas que o inverso também é verdadeiro.
Ou seja, que Fernando Henrique terá tanto maior capacidade de evitar iniciativas populistas provenientes do Planalto ou de seus próprios companheiros de campanha no PSDB, no PFL e no PTB, quanto maior for sua força eleitoral pessoal nas próximas semanas.
Esta idéia supõe que um certo grau de irracionalidade existe no governo federal e nos partidos da coligação que apóia Fernando Henrique. Irracionalidade que se baseia na recusa populista em se admitir "trade-offs" –ou seja, situações em que se perde alguma coisa para ganhar outra.
Segundo esse tipo de raciocínio, que pretende ganhar de ambos os lados, seria possível obter êxito no Plano Real sem se manter a taxa de juros real em níveis muito altos nos meses imediatamente após a reforma monetária.
O combate ao déficit público também não teria de ser radical, já que o perigo de uma bolha de consumo não existiria de fato, e algum déficit sempre poderia ser financiado.
Felizmente, entretanto, semelhantes sandices não são majoritárias nem no governo, nem na campanha. E Fernando Henrique tem a liderança necessária para evitar que esse tipo de raciocínio prevaleça.
É preciso, entretanto, que a sociedade civil fique também atenta. E que não hesite em manifestar seu apoio a políticas fiscais e monetárias muito rígidas nos próximos meses.
A nação está hoje face a uma extraordinária oportunidade de alcançar a estabilização através do Plano Real. A equipe econômica é competente, o plano de estabilização é o melhor que já tivemos, o apoio que ele está recebendo de toda a sociedade, impressionante.
Muitos ainda estão descrentes –têm dificuldade de compreender o mecanismo através do qual a estabilização ocorrerá–, mas todos estão esperançosos. E ninguém perdoará aqueles que, opondo-se ao plano por motivos políticos, possam eventualmente inviabilizá-lo, estejam eles no governo ou na oposição.

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