São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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O real e os índices

ANTONIO CARLOS BORGES

O assunto polêmico dos próximos dias deve ser a conciliação metodológica dos índices que vão medir a inflação do real. A solução é óbvia, mas os interesses envolvidos são muitos, o que faz com que o debate não seja um purismo técnico, ainda mais pelo fato de que o mercado, por não acreditar na moeda, só funciona indexado.
Os índices não devem ser instrumentos de argumentação política e não se podem prestar a outro papel que não seja o de medir a efetiva variação média dos preços. Não podem servir de apoio aos candidatos; às demandas judiciais, em geral, e às salariais, em particular, sustentadas por teses supostamente técnicas; aos agentes financeiros "entupidos" de títulos da dívida pública que querem "achar" um reajuste dos seus valores; e alimentar a imprensa com o sensacionalismo do fracasso, com base na história dos planos que passaram e no pessimismo daqueles que não colaboram e, por causa disso, nunca acreditam.
Os métodos de apuração que estão sendo definidos pelos institutos de pesquisa sugerem a existência de um "resíduo" e defendem a adoção de um "vetor". Isto deve ser evitado, não porque se queira esconder ou negar, mas que, por ser incorreto tecnicamente, é inadmissível que seja utilizado em confronto com a política de estabilização.
Todos os índices são imperfeitos porque, baseados num conjunto selecionado de bens e serviços, nunca representam o que ocorre com um segmento social, em particular. Utilizados como indexadores, impõem perdas a uns e ganhos a outros, ampliando as distorções.
No limite, o melhor índice para indicar a inflação que uma família paga é aquele resultante do acompanhamento da evolução dos preços dos bens e serviços que essa família compra a cada mês. Embora signifique muito para a família, sendo a forma ideal de medir seu poder de compra, não tem aplicabilidade geral.
Se o que se coloca no debate é o método, um exemplo individual pode ajudar a entendê-lo. Um consumidor que faça uma compra no primeiro dia, e repita a mesma compra no último dia do mês, estará pagando uma inflação correspondente ao resultado da divisão entre os dois valores. O resultado é a inflação ponta a ponta paga pelo consumidor.
Se a compra for feita no último dia de junho e repetida no último dia de julho, não se poderá aplicar o mesmo procedimento, pois se está referindo a duas moedas diferentes. Como os cruzeiros reais pagos pelo consumidor representam valores ajustados pela URV, a comparação deve ser entre o montante pago em reais e o total em URVs da primeira compra.
Os institutos de pesquisa estão propensos a adotar procedimentos no mínimo discutíveis. A FGV pretende calcular o IGP e o IGP-M mantendo o vetor e transformando os preços, de 1º a 20/7, em cruzeiros reais, tomando como base a URV pontual no dia 30/6, comparando-os com os do mês anterior. Alega ser impossível coletar preços numa "moeda" que existe (URV) e acha correto "imaginar" os preços numa moeda extinta (CR$), para calcular a inflação de julho, cometendo o erro de mudar a natureza do seu índice e definindo como inflação de julho preços coletados nos últimos dez dias de junho.
O Dieese pretende utilizar o sistema proposto pela FGV, fato consistente com sua postura política, mas inconsistente com a política de estabilização.
A Fipe pretende "cruzeirizar" os preços no decorrer de julho, o que representa a mesma coisa dos outros dois, apesar de dispor da condição de comparar os preços em real com aqueles que já divulga em URV.
Enquanto estas instituições simplesmente preferem ignorar a finalidade da URV, resta a posição isolada, porém tecnicamente correta, do IBGE, embora não se saiba até quando, que sendo responsabilizado pelo governo em calcular o índice oficial de inflação, a ser medido pelo IPC-r, não parece estar encontrando dificuldades metodológicas.
Será muito difícil conseguir a estabilização se os agentes econômicos, coadjuvados por técnicos pouco cuidadosos, conseguirem fazer valer as teses dos interesses particulares, deixando de lado a função básica da URV. Todos sabem que sua criação visava servir de transição entre o cruzeiro real e o real, permitindo o alinhamento de preços na velha moeda, para que não se levasse para dentro da nova moeda os efeitos da inflação inercial. Ignorar que o indexador representa uma atualização de preços, e que ao utilizá-lo se está exibindo a inflação do momento, é um descuido técnico ou uma má intenção.

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