São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994 |
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Michael Clark ostenta divindade em "O"
SÉRGIO MALBERGIER
"O" começa ao som de "Theme", do PIL, a banda de John Lydon (ex-Sex Pistols). Figuras esguias se arrastam em câmera lenta pelo palco, alongadas, a pelve para a frente. Quando não se arrastam na vertical, se contorcem pelo chão, a gravidade contribuindo como nunca para o movimento tenebroso dos dançarinos. Na ponta do palco, a mãe de Clark, Bessie, 70, está sentada num sofá, de costas para o público e de frente para um aparelho de televisão. Enquanto Lydon grita com sua voz esganiçada "eu queria morrer", os bailarinos desenvolvem os movimentos lentos, centrados e originados na região da bacia, marca registrada de Clark. Quando a TV sobe e some do palco, a mãe morre, e, ao som de "Submission", dos Sex Pistols, os bailarinos ganham velocidade e agressividade. Depois de um intervalo de quase meia hora, Clark volta dentro de uma cela espelhada para dançar "Apollo", do compositor russo Igor Stravinsky. Sua mãe, com quem mora, aparece de novo, agora deitada numa cama, dando à luz a Apollo (Clark). Ele dança dentro da cela espelhada, subindo por suas paredes como um Fred Astaire "junkie". Quando as paredes se abrem, refletem os vultos da platéia em pé (não há poltronas na Brixton Academy). Apollo sai ao mundo. É quando acontece o primeiro e único contato físico entre os seis bailarinos na cerca de uma hora de espetáculo. Imitando o Deus de Michelangelo, Clark toca com a ponta de seu dedo indicador os dedos de seus bailarinos, e é só. Sua dança é individual, solitária, não há quase diálogo direto entre os dançarinos. Depois de uma ausência de quase dois anos dos palcos, a volta de Clark está arrancando elogios até de críticos sisudos como o do diário econômico "Financial Times". Clark diz que deixou as drogas e a bebida e admite a influência dos anos de Royal Ballet. "Eu posso entrar no estúdio para tentar coisas que nunca fiz ou vi antes, mas não posso evitar a influência de meus anos de estudo de balé", diz ele. É a velha mistura de técnica e inovação, disciplina e anarquia –uma fórmula segura de qualidade. Michael Clark veio ao Brasil no Carlton Dance Festival de 1987. Repetiu a visita em 1992, com seu namorado, o também bailarino e coreógrafo Stephen Petronio. Os dois dançaram juntos no palco na coreografia "Middlesex Gorge", de Petronio. De lá para cá, o requintado estilo de Clark mostrou as influências da dança de Petronio, mais físico e menos preso à técnica clássica. Texto Anterior: Varèse quer conjugar música e ciência, diz Boulez Próximo Texto: Peça trata homossexualismo com humor Índice |
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