São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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NOTAS

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Um dos maiores pecados da imprensa brasileira (toda ela, esta Folha incluída) é o de se fazer cega, muda e surda diante de "furos" dados pela concorrência. Na semana retrasada, a Folha publicou uma importante entrevista com o médico Aníbal Faundes, que admitiu fazer abortos ilegais de fetos malformados num dos maiores centros de atendimento à mulher instalados no país, o Caism, ligado à Unicamp.
O que o médico disse não chega a ser novidade, mas sua coragem de revelar em público que faz esses "abortos éticos" ajudou a reabrir a discussão sobre a descriminalização do aborto no Brasil. Faundes corre o risco de ser processado, porque o que ele faz, pela lei, é crime. Exceto por algumas notas, o restante da imprensa se calou.
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Na Folha, o caso provocou reações de leitores que escreveram para o jornal, artigos de autoridades apoiando Faundes e até a declaração de mais um médico, admitindo (na edição de sexta-feira) que também já fez esses "abortos éticos". Se a lei que regula o aborto for alterada um dia, o mérito pode ser do médico Aníbal Faundes e da Folha. Ambos cumprem seus papéis nesse caso –que, por uma falha de caráter do restante da imprensa, é cada vez mais um caso só da Folha.
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Reportagem do correspondente em Washington da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva, publicada no domingo passado ao lado desta coluna, mostra que os jornais americanos são cada vez mais apartidários nas eleições presidenciais. Em 1960, quando John Kennedy se elegeu, 58% dos jornais apoiaram algum candidato em seus editoriais (boa parte deles rendeu-se a Richard Nixon, derrotado naquela eleição). Esse número chegou a 62% em 1976, quando Jimmy Carter foi eleito, e caiu para 15% em 1992, com a eleição de Bill Clinton.
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No Brasil, poucos jornais revelam seu apoio por candidatos em editoriais. Em compensação, a maioria faz campanha aberta no noticiário, oferecendo a seus leitores informações enviesadas e distorcidas. É muito menos honesto do que abrir espaço em um editorial para apoiar quem quer que seja. Mas a imprensa, assim como outras instituições, ainda tem muito o que caminhar para ser verdadeiramente livre no Brasil.
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Continuo achando que alguém que se proponha a medir o espaço de cada candidato na imprensa, comparando-o com a posição desse mesmo candidato nas pesquisas eleitorais, vai revelar surpresas importantes para o (e)leitor. Neste caso, não basta medir apenas o espaço físico: é preciso medir a simpatia por fulano, sicrano e beltrano. Quem se arrisca?

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