São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Empresas não são inocentes, diz Odebrecht

EDUARDO BELO
EDITOR-ADJUNTO DE ECONOMIA

Nenhuma empresa sobrevive inocentemente, diz Emilio Odebrecht, presidente da Odebrecht S/A. E falta de inocência quer dizer adotar expedientes irregulares, como pagar propinas.
Aos 49 anos, o presidente do grupo de 14 empresas admite: já adotou esse tipo de prática. Só não revela quando, nem com quem. E diz que parou.
Nesta entrevista, Odebrecht nega que a empresa tenha participado de irregularidades como pagar US$ 30 mil para o ex-ministro do Trabalho Antonio Rogério Magri interferir na liberação de dinheiro do FGTS –recursos a serem usados na construção do Canal da Maternidade (Acre).
Nega também participação no esquema de PC Farias e no escândalo do Orçamento.
Diz que a corrupção é uma prática generalizada no mundo. No Brasil assume um caráter mais grave, porque o Estado ainda participa demais da economia.
Elogia a abertura econômica do ex-presidente Collor e se diz disposto a colaborar financeiramente com a campanha eleitoral de qualquer candidato que tenha "seriedade".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, realizada no escritório de uma das empresas do grupo, a CBPO, em São Paulo.

Folha - No mês passado o senhor disse que este ano a Odebrecht ia selecionar melhor os candidatos que apoiaria...
Emilio Odebrecht - Eu diria que não somente isso. Vamos ser seletivos. Vamos usar seletividade, seriedade e austeridade. A organização não pode ter partido, ter conotações partidárias. Não é só a empresa, mas o eleitor. Ele deve olhar para o país, as necessidades do país, e verificar quais são aqueles candidatos que mais preenchem a necessideade atual. Se nós conseguirmos dar prioridade à educação vamos fazer avanços significativos, como é no Primeiro Mundo. Nós temos duas grandes prioridades. A continuidade da democracia é fundamental. Não podemos abrir mão. O segundo ponto é a priorização da educação. Essa estabilidade econômica eu considero fundamental, mas não tem a prioridade que tem a educação.
Folha - As organizações Odebrecht já definiram quem pretendem apoiar na eleição presidencial?
Odebrecht - Atendendo às características de seletividade, seriedade e austeridade, nós vamos ajudar a todos que as preencherem e nos procurarem.
Folha - Algum candidato já o procurou?
Odebrecht - Até agora não.
Folha - E a empresa pretende dar algum apoio voluntário?
Odebrecht - Nenhuma iniciativa. Nenhuma, nenhuma, nenhuma.
Folha - O sr. faz restrição a algum dos atuais candidatos?
Odebrecht - Nenhuma restrição. Tenho consciência daqueles que têm melhores condições. Mas não excluiria nenhum deles. Apenas tenho perfeita consciência –e cada um deve ter a sua– daquele que melhor preenche, o que é muito individual.
Folha - E quem é?
Odebrecht - Eu preferia lhe dizer isso em novembro.
Folha - O sr. votou em quem na última eleição presidencial?
Odebrecht - Mario Covas no primeiro turno e Collor, no segundo.
Folha - De alguma forma se arrepende desse voto?
Odebrecht - Não. E vou lhe ser muito franco. Vamos olhar o lado de uma série de tabus que se quebrou. Muita coisa foi a fundo nesse país. A abertura econômica, por exemplo. Apesar dos problemas, o impeachment trouxe um nível de profundidade de encarar os problemas. Nós temos que fazer uma reflexão sobre isso.
Folha - A Odebrecht determinou algum teto, algum limite para contribuir?
Odebrecht - A lei já determina isso.
Folha - O ex-ministro da Saúde Adib Jatene disse, quando ainda estava no cargo, que as empreiteiras definem as prioridades no país. O sr. concorda?
Odebrecht - Eu não chegaria a dizer que definem. Digo que viabilizam. É possível. Existe uma diferença muito grande.
Folha - Qual?
Odebrecht - O poder de definir, aprovar, é do governo. Agora, sem dúvida nenhuma, as empresas de engenharia do Brasil, principalmente as de engenharia pesada, tiveram um desenvolvimento empresarial que permitiu e permite hoje os grandes empreendimentos que nós temos no exterior. Isso tudo permitiu a essas empresas dar o cunho de competência que as áreas governamentais não tinham. De encontrar recursos no exterior, de buscar fórmulas de viabilizar isso ou aquilo. Essa inversão, dizer que as empresas é que eram o governo, não é verdadeira. O que eu compreendi do que ele quis dizer foi que as empresas lutaram e tinham condições de viabilizar.
Folha - Quando se fala em grandes empreiteiras se associa muito às obras públicas e também à corrupção. O próprio nome Odebrecht esteve envolvido em casos como o de PC Farias. Documentos da Comissão do Orçamento foram encontrados na casa de Ailton Reis, diretor da empresa. Além disso tem a questão do Canal da Maternidade, no Acre. Como o sr. tem encarado isso?
Odebrecht - Foi ótimo você perguntar. Deixa eu aproveitar a oportunidade. É verdade que nós temos sofrido uma série de denúncias, mas eu vou procurar transmitir algumas coisas importantes.
Primeiro: nós não tivemos nenhuma comprovação. Não foi comprovado nada.
Segundo: nós fomos, não vou dizer a única, mas a principal organização, nos segmentos em que nós operamos, que se vinculou a programas com privatização de uma área extremamente polêmica...
Folha - Petroquímica?
Odebrecht - É. Com reações profundas. Afetamos interesses, seja no campo privado, seja no corporativismo, que se viram realmente perturbados. A organização se expôs muito, desde o começo do governo Collor. Será que mudou alguma coisa na organização de dois ou três meses para cá? Por que as denúncias pararam...
Folha - A quem o sr. atribui o interesse em prejudicar a imagem da Odebrecht?
Odebrecht - Parou porque a revisão (constitucional) fracassou. Porque o programa de privatização parou. Por uma série de outras coisas. Pode ser até que depois desta entrevista que aqueles que se sentirem afetados voltem a criar novas coisas. Mas no fundo esse conjunto de coisas não teve comprovação porque não existe mesmo. Não vou dizer que nós somos uma empresa inocente. Não existe empresa que sobreviva inocente. Outra coisa são as denúncias e a forma como foram colocadas.
A criação dessa CPI do Orçamento, teve origem que não era exatamente aquilo que tem a ver com o papel de uma CPI. Teve a ver com o processo de revisão, para prejudicar a revisão.
E a conotação política nasceu, no nosso caso, desde o processo ilegal daquela apreensão de documentos na casa do diretor que você falou. Saíram de lá com os documentos. O delegado não fez nenhuma relação de documentos. E a partir daí ficou muito claro que os motivos pelos quais a CPI deveria se desenvolver, apesar de ter tido sucesso em uma série de coisas, mas ela poderia ser melhor. Nós nos frustramos muito com a CPI. Achávamos que era a oportunidade de reverter muitas coisas.
Eu esperava que fosse uma CPI que tivesse condições de recomendar não só punição de A, B ou C, mas muito mais o que fazer. Quais as mudanças que o país tem que fazer para essas coisas não acontecerem mais daqui para frente.
Folha - As mudanças incluem a lei de licitações, por exemplo?
Odebrecht - Também.
Folha - Como o sr. vê essa lei?
Odebrecht - Todo o processo da lei de licitações iniciou conosco. Fomos nós que provocamos, defendemos, há mais de dois anos, praticamente lutamos sozinhos pela lei. Os nossos alvos principais eram os seguintes: eliminar qualquer subjetividade, procurar fazer com que o preço fosse o menor e qual a forma de que o menor preço não significasse leviandade e responsabilidade e com isso eliminar as negociações entre criar dificuldades para se obter facilidades de uma parte para com outra.
A melhor forma que isso podia ter era o seguro-garantia. Houve evolução, sem dúvida nenhuma. Espero que o projeto que está no Planalto não venha sofrer vetos, apesar de não estar completo, porque o seguro-garantia não é obrigatório.
Folha - Quando o sr. fala que nenhuma empresa sobrevive inocentemente, o que o quer dizer com essa falta de inocência?
Odebrecht - Inocência é o seguinte: ninguém pode chegar e dizer "eu vou dar dinheiro a fulano de tal", no sentido de pegar meu lucro e dar para distribuir.
O que eu estou querendo levantar é: as empresas precisam sobreviver. Eu tenho uma responsabilidade, como todas as organizações, de criar trabalho e preservar isso dentro da melhor ética possível. Agora, posso lhe dizer, sinceramente: se amanhã ou depois um cliente chega e não vai lhe pagar e diz "eu não lhe pago, porque eu estou precisando que você me ajude nisso ou naquilo", você não tenha dúvida que eu não vou pensar duas vezes. Porque antes de mais nada eu preciso receber para dar trabalho a meu pessoal.
Por isso é que eu defendo que o Estado tem que sair, porque isso não existe entre empresários, entre o setor privado. Você pode ficar certo que é completamente diferente a relação. Eles vão disputar. Isso (a corrupção) não é geral. É muito raro. Agora se quis dar uma conotação como se isso fosse uma coisa extremamente usual e vulgar, até rotineira. Não é verdade. Mas que acontece. Aconteceu com todas as organizações.
Folha - Como assim?
Odebrecht - Eu vou lhe dizer: para sobreviver nesse campo, já fiz. Agora se você me perguntar quando e com quem, eu não vou dizer nunca.
Folha - E vai fazer de novo, se precisar?
Odebrecht - Estou lutando para não ter necessidade de fazer. Por isso é que nós não compreendemos a reação de muita gente não perceber é que a melhor forma de terminar com isso é terminar com o ambiente. A forma de minimizar –eliminar não existe nunca– é o Estado deixar de ser empresário. E precisamos ter regras sem subjetividade.
Folha - Qual o relacionamento da sua empresa com as demais empreiteiras do país?
Odebrecht - Nós nos damos bem. Inclusive temos consórcios fora e dentro do país. Nesse mercado eu diria o seguinte: existe uma briga ferrenha. Agora na hora que eu precise ganhar um empreendimento isso signifique, se eu não tiver um tipo de tecnologia ou eu me complementaria se me juntasse com a empresa tal, que tem um equipamento que precisa e eu deixaria de investir e consequentemente ter um custo menor, eu não tenho nenhuma inibição. Sem restrição nenhuma. Temos convívio com todas, mas não temos intimidade.

Texto Anterior: Candidato sugere prisão para empresários
Próximo Texto: Quem é Odebrecht
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.