São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Estado enfrenta as 'sete pragas do Egito'

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZA

O Ceará, apontado às vezes como modelo de administração e ilha de prosperidade, enfrenta o que está sendo chamado de "as sete pragas do Egito".
É uma alusão aos castigos que se abateram sobre o antigo Egito, relatados no Velho Testamento, quando o faraó impediu o patricarca judeu Moisés de conduzir seu povo à Terra Prometida.
Este é o Ceará que não aparece na TV e desafia a imagem de paraíso "Tropicaliente" que o governo conseguiu projetar fora do Estado.
O Ceará é o quinto Estado na lista dos que mais gastam com publicidade, segundo levantamento da Nielsen Associados, com base em números referentes a 1992. Esse gasto chegou a US$ 2 milhões.
No momento, a principal peça do marketing cearense é a novela "Tropicaliente" (Rede Globo). O governo investiu US$ 700 mil na sua produção.
No Ceará, o risco que correm os primogênitos está associado à seca e à miséria. Não chove granizo, as águas não se convertem em sangue, não se abatem as trevas, gafanhotos e rãs não proliferam, não há propriamente a peste.
Em compensação, há epidemias de dengue, cólera e meningite, avanço da hepatite, além de problemas como a indigência, prostituição e mortalidade infantis.
Sim, em comum com a terra dos faraós, o Ceará tem mosquito, muito mosquito.
Há, segundo médicos sanitaristas, o risco iminente da invasão de mais duas pragas: a malária e a febre amarela. Se isso ocorrer, as pragas do Ceará serão nove, muito próximas das do antigo Egito, que, na verdade, eram dez, e não sete.
O Ceará é campeão nacional em casos de cólera (22.135 em 93) e lidera também na dengue, com 8.160 registros oficiais até quarta-feira. O próprio governador Ciro Gomes (PSDB) foi vitimado.
Estimativa de técnicos da Secretaria estadual de Saúde aponta a possibilidade de 600 mil moradores de Fortaleza estarem infectados –pouco mais de um terço dos 1,5 milhão de habitantes da cidade.
O governo cearense não pode ser responsabilizado sozinho por este cenário de dificuldades.
As pragas, no entanto, colocam o Ceará na mesma linha de miséria do Nordeste e arranham a imagem positiva criada a partir das gestões de Tasso Jereissati (1987-91) e do atual governador.
"A figura da competência e da modernidade não resiste ao mínimo confronto com a realidade", diz o empresário e deputado estadual Eudoro Santana (PSB), ex-aliado do governo Tasso.
O discurso da oposição, do PT ao PPR, tem uma nota só: os bons números conquistados na área econômica pela dupla Tasso-Ciro não refletiram a favor da vida da maioria dos 6,3 milhões de cearenses.
O PIB é a soma de tudo aquilo que é produzido em um ano por um país, Estado ou região.
A renda "per capita", ou seja, quanto sobraria da divisão do bolo de riquezas pelo número de habitantes, produz outra cifra favorável a Tasso e Ciro: cresceu cerca de 30% nas duas gestões.
Distribuição do bolo
Isso não significa, porém, que, na vida real, a maioria das pessoas esteja em melhores condições. A concentração do bolo de recursos em um pequeno grupo aumentou.
Estudo do Departamento de Economia da Universidade Federal do Ceará mostra que 78% dos habitantes ganham menos de um salário mínimo.
Um professor da universidade, o economista Roberto Smith, define a situação com uma frase que ficou famosa entre os adversários de Ciro: "A prosperidade é uma ilha".
Os números da economia colocam o Ceará na ponta no Nordeste, mas os indicadores sociais, que medem a qualidade de vida, apresentam estatísticas semelhantes às do Piauí –o Estado mais pobre do Brasil.
Mortalidade infantil
Um exemplo dramático das estatísticas recentes foi revelado quarta-feira pela Folha.
Voltaram a crescer os números da mortalidade infantil no Ceará.
No primeiro trimestre deste ano, morreram 116 crianças com até 1 ano de idade em cada grupo de 1.000, de acordo com pesquisa do Ministério da Saúde.
O crescimento foi de 54% entre 93 e os primeiros meses de 94.
O índice chamou mais atenção porque o próprio governo do Ceará ganhou recentemente um prêmio do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) por ter reduzido a mortalidade.

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