São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Ilha põe violência de TV à prova

SÉRGIO MALBERGIER
DE LONDRES

A ilha de Santa Helena, colônia britânica no meio do oceano Atlântico, vai começar a receber programas de televisão em algumas semanas.
A chegada da TV a uma comunidade contemporânea virgem dos efeitos da telinha oferece uma oportunidade rara de avaliar sua influência, no centro de polêmicas sobre a violência urbana e infantil.
O psicólogo britânico Tony Charlton vai comandar os estudos sobre o efeito da televisão nos 5.700 moradores da ilha durante quatro anos.
A empresa de telecomunicações britânica Cable & Wireless começa a transmitir por satélite em algumas semanas um canal de notícias da BBC, o Serviço Mundial da BBC, e também um canal de entretenimento a cargo da empresa sul-africana NMET.
Segundo Peter Eustace, porta-voz da Cable & Wireless, a programação ainda não está definida, mas vai incluir desenhos animados como o inocente "Os Flinstones" e o não tão inocente "Tom e Jerry".
"A ausência total da televisão é muito rara. Santa Helena apresenta uma oportunidade sem precedentes para estudar os efeitos da televisão", diz Charlton.
Santa Helena, que vive em boa parte dos subsídios do governo britânico, é uma ilha com baixíssimos índices de criminalidade e de crianças problemáticas.
"Eu encontrei muito menos casos de crianças com necessidades especiais na ilha", diz Charlton, que é pesquisador do "Cheltenham and Gloucester College".
O psicólogo e sua equipe vão concentrar seus estudos nos efeitos da televisão sobre o comportamento e sobre as formas de convívio social entre crianças.
Um estudo de 1986 sobre a introdução da TV num remoto vale do Canadá concluiu que ela teve efeitos negativos. As crianças mudaram seus hábitos, reduzindo muito a recreação ao ar livre.
Outro tema do estudo em Santa Helena serão as possíveis tentativas dos pais de impor censura à programação do canal de entretenimento, que, segundo Eustace, deve transmitir séries policiais e filmes americanos.
Violência
O assassinato de um menino de oito anos por dois garotos de 11 anos no ano passado no Reino Unido provocou pressões de vários setores pela redução do acesso das crianças a programas e filmes violentos na TV e vídeo.
Foi dito na época que o assassinato teria sido parecido com um ocorrido em um dos filmes da série americana "O Brinquedo Assassino", mas os dois meninos acusados de assassinato negaram terem visto o filme em vídeo.
Após um julgamento que chamou a atenção da mídia, ele foram condenados e hoje estão presos. A Justiça só vai rever o caso daqui a pelo menos dez anos.
Uma pesquisa do Instituto de Estudos de Políticas realizada entre adolescentes britânicos com e sem ficha criminal revelou que os dois grupos têm preferências parecidas em relação a fitas de vídeo e programas de TV. A maioria escolheu como programa favorito as novelas britânicas exibidas no final da tarde, onde não faltam personagens caricatos de péssimo caráter.
Mesmo assim, o Parlamento britânico, de olho em pesquisas de opinião apontando o apoio da assustada população a medidas para conter a violência nas telas, aprovou moção este ano endurecendo o controle sobre a liberação de filmes e vídeos.
Por causa das novas regras, filmes "cults" como "Reservoir Dogs" (veiculado no Brasil com o título "Cães de Aluguel") estão ameaçados de não serem lançados em vídeo, e donos de videolocadoras podem ir para a prisão se alugarem filmes impróprios a crianças.
Para George Stevens, gerente geral da Cable & Wireless em Santa Helena, a chegada da TV não vai trazer problemas à ilha.
"Eu não acho que vá haver problemas. Nós já temos vídeos e a ilha praticamente não tem crimes", argumenta Stevens.
Alguns habitantes da ilha discordam. Colin Thomas, funcionário de uma escola local, acha que seria melhor impedir que as crianças vissem alguns programas.
"É preciso levar em consideração as idades das crianças e tentar protegê-las censurando a programação", diz ele.
O estudo da introdução da TV na remota Santa Helena pode ajudar a acabar com mitos sobre a penetração da telinha e sua influência em nossas mentes, ou dar-lhes uma legitimação científica.
Uma coisa é certa, porém. Santa Helena, onde Napoleão foi exilado de 1815 até sua morte, em 1821, será muito mais afetada pela TV do que pela presença do ex-imperador francês.

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