São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Milhões de economistas

É frequente ouvir economistas profissionais para saber se este ou aquele plano é consistente e pode dar certo. Mas a criação de uma nova moeda é insondável como um jogo, mesmo quando se conhecem as regras e os adversários. Estarão em campo milhões de agentes, tomando decisões que nenhum economista pôde até agora antecipar.
A partir de sexta-feira cada dona-de-casa, consumidor, empresário e poupador tomará decisões que o governo, pautado por uma lógica ideal, tentará influenciar, mas não condicionará completamente.
Em primeiro lugar, cada um vai avaliar sua posição relativa no tabuleiro da distribuição de renda. A continuação do jogo e o respeito às regras dependerá da maior ou menor aceitação dessa posição.
O ideal dos economistas é o plano de estabilização distributivamente neutro. Na prática, especialmente às vésperas de eleições, a percepção de ganhos e perdas será influenciada pela retórica política, não apenas pelo cálculo objetivo. A distribuição de renda já é péssima e não faltará quem culpe o plano por "perpetuar" as injustiças.
Outro campo de forças com resultante ainda incerta é o da poupança. Anos de inflação crônica habituaram o poupador a reajustes ilusoriamente generosos. Que juros, derrubada a inflação, impedirão a conversão desses saldos em consumo ou especulação? Só na prática se poderá saber.
A estabilização exige o congelamento da taxa de câmbio. Mas, se a proteção à poupança doméstica requer juros altos, imediatamente haverá também um incentivo para que investidores estrangeiros procurem converter suas economias em aplicações financeiras em reais. Ocorre que uma entrada maciça de recursos externos converte-se em obstáculo à estabilização ao obrigar a contrapartida da emissão igualmente maciça de reais.
Há vários instrumentos de política econômica disponíveis para conter o consumo, proteger a poupança ou regular o afluxo de recursos externos. O que não se sabe ainda, pois dependerá da qualidade e da intensidade das ações e reações dos indivíduos, é a qualidade e intensidade com que o governo poderá usar os vários instrumentos.
Principalmente em se tratando de ano eleitoral, não se conhece o "timing" com que saberão e poderão as autoridades pilotar o dia-a-dia da economia sob a nova moeda. Na semana passada, por exemplo, o presidente Itamar deu ultimatos à equipe econômica, fixando em um mês o prazo para redução da inflação e dos juros.
A Copa ainda não estará acabada, mas os brasileiros, que, segundo consta, são todos técnicos de futebol, mais uma vez terão diante de si o desafio de sobreviver a uma nova moeda tornando-se, também, milhões de "economistas" tentando combinar, como no futebol, cálculo e expectativa, lógica e confiança.

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