São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Entre a Copa e o real

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Ela continua católica como sempre. Cada vez mais beata. Encontrei-a na saída da igreja. Ela me puxou pelo braço, muito nervosa. Ofegante. Juro que não a tinha visto.
Até hoje não sei exatamente a sua idade. Fomos colegas de ginásio. Eu tinha 11 anos e ela uns 15 ou 16. Com base nos meus 66 atuais, julgo que ela esteja com mais de 70. Só de aposentada, tem uns 20. Ela se formou professora na Escola Normal da Praça, o velho Caetano de Campos –muito conhecido aqui em São Paulo. Deu aulas por mais de 30 anos. Ensinou muita gente. Hoje, não sai da igreja. Reza por todo mundo. Inclusive por mim.
Além de suas meditações habituais, a dona Joaninha me disse estar rezando nestes dias por dois motivos pouco comuns no seu cardápio de orações. Reza pelo futuro da nova moeda e pelo sucesso da nossa seleção.
Ela chegou à conclusão que o povo está decepcionado com quase tudo neste país. Mas que, no meio de tanto desencanto, surgiram dois raios de esperança: o real e a seleção. Por isso ela decidiu pedir a Deus que dê ao nosso povo essas duas alegrias.
Mas, no decorrer das preces, disse ter ouvido a voz do seu anjo da guarda que lhe pediu que escolhesse entre um ou outro desejo. Os dois eram demais para a cabeça do anjo.
A dona Joaninha pensou, pensou, pensou –e não conseguiu fazer a opção de pronto. Como boa brasileira, ela pediu um tempo. E prometeu ao anjo voltar à igreja com a decisão tomada. Ponderou que estava em dúvida.
Se optar pelo real, ela acha que o sucesso do plano econômico certamente será bom para os brasileiros, mas não tem certeza que o seja para todos. Ela teme uma repetição dos planos anteriores onde uns tiraram vantagens e outros se prejudicaram. Se optar pela Copa, ela sabe que isso fará a felicidade de toda a população. Entretanto, a festança será breve e todos cairão na mesma realidade logo depois da "esbórnia".
Esse é o seu dilema. Daí o nervosismo. E daí o seu pedido: ela me pediu para ajudar na decisão. Cada uma que me acontece... Fui logo dizendo que ela deveria procurar um anjo melhor. Um daqueles que não tem essa de exigir isto ou aquilo. Sai fora desse anjo, recomendei à minha amiga.
A velha Joaninha me lembrou, porém, que anjo da guarda a gente não escolhe. É Deus quem escala. Ponderou estar acostumada com aquela cruz. Convive com esse anjo há muitos anos. Ele é assim mesmo e não vai mudar. É rigoroso. Superexigente. Por isso insistiu no pedido. Copa ou real?
Inspirado na própria Joaninha, também pedi um tempo. E me pus a pensar. Telefonei ontem a ela sugerindo que, como no Brasil tudo é na base do curto prazo, o mais urgente é rezar pela Copa. E, logo depois do dia 17 de julho, prometi me juntar às suas preces, em regime de plantão permanente, para pedir pelo real. Ela acatou a sugestão. É o jeitinho brasileiro.

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