São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 1994
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Pelo desemprego?

HERBERT DE SOUZA

Está a caminho um empréstimo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a Varig no valor de US$ 270 milhões. Até aqui, tudo bem. A Varig merece. As coisas começam a não ficar muito bem quando a Varig anuncia um programa de reestruturação que prevê a demissão de 15 mil funcionários.
De um lado, a empresa recebe um benefício do poder público. Por outro, joga na rua 15 mil profissionais qualificados. Em nome de quê? Desemprego é sinônimo automático de modernização? Não há negociação possível, nem alternativas para o aproveitamento em outras atividades dentro ou fora da empresa?
Essa operação que está sendo montada não é um bom negócio para ninguém.
Para o poder público, não pode ser um bom negócio emprestar US$ 270 milhões para desempregar tanta gente em nome da reestruturação. Esse mesmo dinheiro poderia ser investido em projetos geradores de emprego, como construção de moradia, saneamento básico, agricultura, apoio a microempresas e tantos outros.
Para a empresa não é bom ganhar um empréstimo do poder público e só ter a oferecer em troca um grande drama a seus funcionários. A Varig se apresenta como uma empresa dirigida pelos seus empregados, uma cooperativa, e deveria ter compromisso claro com os objetivos sociais de sua empresa.
Ou a Varig é simplesmente igual a qualquer outra que busca o lucro sem qualquer outra consideração? Para o BNDES, que deveria ser o banco do emprego, não fica bem ser visto como o financiador do desemprego.
Para a sociedade não é absolutamente bom receber a notícia de que em breve teremos mais 15 mil pessoas jogadas no mercado de trabalho, que não está nada bom, caminhando provavelmente para a desqualificação, para o desperdício humano de gente treinada para operar aviões e que acaba vendendo doces em frente dos aeroportos.
Por tudo isso é o momento de rever essas intenções e trocar por outras onde empréstimo e emprego possam andar juntos. E isso é possível, basta querer.
A palavra está com o BNDES e o ministro Rubens Ricupero, com a Varig e conosco, o público, que afinal é quem voa pela Varig. E por que não discutir tudo isso numa câmara setorial onde as diferentes partes pudessem ter vez e voz?
Cabe finalmente refletir sobre o que poderiam significar US$ 270 milhões na luta contra a miséria. Se considerarmos um emprego de US$ 100 por mês, US$ 1.300 por ano, poderíamos gerar 207.692 novos empregos durante um ano e matar a fome de muita gente.
A opção pelo emprego não pode ser apenas uma intenção que não se inscreva na prática concreta das ações do governo, como se o presidente pudesse falar pelo emprego e o BNDES premiar o desemprego e as empresas não estivessem nem aí para sua responsabilidade social.
Ainda temos tempo para corrigir esse rumo. O Brasil precisa de empregos e isso é uma tarefa de todos. Não podemos contribuir para aumentar o quadro de miséria que já temos. A miséria não é uma boa viagem.

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