São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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Americanos aprendem a sofrer

MAURICIO STYCER
ENVIADO ESPECIAL A LOS GATOS

Graças à Copa do Mundo, os norte-americanos descobriram um novo programa de domingo –o futebol com churrasco– e um componente inseparável desse esporte –o sofrimento.
A Folha assistiu a partida entre EUA e Romênia, no domingo, na casa de uma típica família de classe média de Los Gatos.
Nove pessoas se reuniram em torno do aparelho de TV na casa da consultora contábil Rosemary Coates, 40, para gritar e sofrer com a seleção norte-americana.
Apaixonado por futebol como qualquer brasileiro, o filho de Rosemary, Kevin, 18, acabou o jogo molhado de suor.
Kevin foi eleito o melhor goleiro na última temporada de futebol colegial em Los Gatos. Antes da partida, avisou: "Tony Meola é superestimado pela imprensa. Não é um bom goleiro".
Como se quisesse confirmar as palavras de Kevin, Meola falhou no gol que deu a vitória à Romênia por 1 a 0.
Kevin passou a partida sentado num sofá, com os olhos grudados na TV, ao lado de sua namorada, Chelsea Bond, 15, e de seu amigo de colégio Aaron Payne, 18.
Aaron joga como meia defensivo no time de Kevin. Chelsea também adora futebol, mas trocou o esporte pela natação após ter ficado na reserva do time do colégio.
"A seleção dos EUA não é tão ruim quanto eu pensava", diz Aaron antes da partida começar.
"Oh, God!!!"
Os três adolescentes sofreram muito durante a partida. "Oh, God!!!", gritava Kevin a cada lance de perigo da seleção dos EUA.
Ao rever o gol da Romênia, Kevin não se contém e deixa escapar um palavrão: "Shit (merda)! Meola não estava bem colocado".
"Jesus!!!", gritava Aaron a cada jogada errada de sua seleção.
Com as mãos cruzadas, como se estivesse rezando, Chelsea gritava e bufava a cada frustrado ataque norte-americano.
O visual dos jogadores da seleção foi motivo de muitos comentários. O reserva Jones, com cabelo de cantor de reggae, é considerado "muito cool" (legal) por Chelsea.
O goleiro Meola, com seu rabinho de cavalo, já não agrada tanto: "Ele não parece jogador de futebol", diz Chelsea. "Esses jogadores usam cortes de cabelo bem estranhos", afirma a mãe de Kevin, Rosemary.
Professora de futebol
A mãe de Aaron, a contadora Suzan Payne, 46, foi a que mais se divertiu durante a partida. "O que é aquela marca branca na grama?", perguntou, ao ver na TV a marca do pênalti.
Quando Aaron tinha 5 anos, ele e seus colegas de escola queriam jogar futebol, mas não havia quem os treinasse. O colégio sondou todos os pais. Nenhum quis enfrentar a parada. Suzan topou.
"Peguei um livro sobre futebol e aprendi. Fiz o melhor que podia. A gente não ganhava muitas partidas, mas se divertia", conta.
A mãe de Kevin, Rosemary, não tem o menor interesse por futebol. Passou a maior parte do jogo na cozinha, preparando lanches e o churrasco que seria servido ao final do programa.
Na cozinha, Rosemary teve a companhia da filha, Jennifer, 20, de uma amiga da filha, Becky Owens, 20, e de uma amiga de trabalho, Lisa Bowen, 30, que ainda levou o filhinho, Cristopher, 3.
"A primeira partida de futebol que assisti na minha vida foi Alemanha e Bolívia, na abertura da Copa. Foi duplamente chato. Não entendi nada do que estava acontecendo e não entendi o que estava sendo dito, porque assisti numa TV hispânica", conta Becky.
Foto de Romário
Kevin Coates ri ao ouvir Becky. É um apaixonado por "soccer", como os norte-americanos se referem ao futebol.
"Jogo desde os 8 anos. Meus amigos preferem futebol americano e beisebol. Me sinto um pouco diferente", diz.
Em seu armário, Kevin guarda alguns troféus, conquistados como goleiro do Los Gatos Wildcats, o time do seu colégio, e do Los Gatos Phanters, o time da cidade.
Outro troféu de Kevin, mais recente, é uma foto autografada de Romário, obtida por um amigo brasileiro que mora em Los Gatos, e uma bola de futebol com a assinatura de todos os jogadores da seleção brasileira.
"Romário fica lá na frente parado durante o jogo todo e faz os gols. Prefiro o Bebeto, que joga para o time, é mais útil", diz.
Kevin assistiu as duas primeiras partidas do Brasil na Copa no estádio de Stanford. "Nunca fui a um estádio tão cheio. Foi demais."
Kevin vai hoje novamente ao estádio, assistir Rússia e Camarões. Seu colega de turma Aaron vai junto.
"Só assisti uma partida ao vivo na minha vida, um amistoso entre EUA e Alemanha, em Stanford. Foi emocionante", diz Aaron.
Problema genético
A partida entre EUA e Romênia, no domingo, foi a primeira que a engenheira mecânica Lisa Bowen assistiu em sua vida.
O seu desinteresse por futebol, ela mesmo observa, não é genético. "Meu avô, que era alemão, jogava futebol na Alemanha e sentia muita falta do esporte quando veio para os Estados Unidos."
Com quase 3 anos, o filhinho de Lisa, Cristopher, não demonstra interesse algum por futebol. Ele ganhou uma bola de presente no domingo, mas preferiu ficar desenhando.
Durante a partida, Cristopher achou mais interessante ficar comendo batatinhas fritas com o cachorro da família Coates, chamado de Moe (uma homenagem a um dos "Três Patetas").

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