São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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O ministro me mandou aqui

MOACYR SCILIAR

MOACYR SCLIAR
A campainha soou. Ela abriu porta e deu com um simpático cavalheiro, que afora a combinação um pouco inusitada -jaqueta de couro e gravata– parecia muito elegante.
– Que bom que a senhora está em casa! – disse o homem. E explicou: era funcionário da Caixa Econômica Federal e estava ali em missão oficial.
– Sabe quem me mandou aqui? – perguntou, num tom confidencial, cúmplice.
– Quem? – Ela, surpresa.
– O ministro. O ministro da Fazenda.
– O...
– Ele. Ele mesmo. Recebemos agora mesmo a mensagem de Brasília: eu deveria procurar a senhora com urgência.
– Mas eu? – Ela, desconfiada, mas lisonjeada.
– A senhora. A senhora sabe, o ministro está lançando um plano novo e quer que dê certo. Mas a maior preocupação dele é com os aposentados. Ele tem dito a seus colaboradores que não consegue dormir pensando nas pobres senhoras que terão de ficar na fila para trocar o dinheiro. Aí ele foi ao Ministério da Previdência e pediu para ver o fichário dos aposentados. Foi indo, foi indo, até que deu com sua ficha. E se emocionou com sua foto: "Mas esta senhora parece a minha mãe!" E decidiu: a senhora não pode ficar na fila. Por isso me mandou aqui, com ordens de trocar seu dinheiro.
Mostrou o pacote que trazia.
– Sabe o que tem aqui? É a nova moeda. A senhora vai ser a primeira a receber reais.
Ela ponderou que o dinheiro que tinha em casa talvez não desse pra trocar por tanto real.
Ele sorriu: Ora, o ministro disse para a senhora não se preocupar. Se houver diferença, a gente acerta no mês que vem.
Ela entregou os cruzeiros reais que tinha em casa. O homem nem sequer contou: enfiou o dinheiro no bolso e se foi, dizendo que tinha de prestar contas ao ministro de sua missão.
Quando ela abriu o pacote, viu que só havia ali bilhete de loteria. Pensou em se queixar ao ministro, mas desistiu. O pobre homem já deveria estar de cabeça cheia com tantos problemas. Além disso, um ministro tão gentil merecia ser poupado.

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