São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994 |
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Funcionário "poderoso" gera mais qualidade
ANA ASTIZ
Consultora americana explica o que é 'empowerment', conceito sem tradução que significa 'investir de poder' Desbloquear o medo que os profissionais sentem no ambiente de trabalho é a única maneira de fornecer produtos e serviços com qualidade. O diagnóstico é da consultora norte-americana Diane Tracy, 39, especialista em "empowerment". Ela estará em São Paulo no dia 29 a convite da TDC-Cincom para dar um seminário sobre o tema. A palavra "empowerment" não tem tradução para o português. Pode ser entendida como "investir de poder". O objeto da "investidura" é o funcionário da empresa. Diane considera que o conceito está "no coração" das principais iniciativas na administração, como a qualidade total e a reengenharia. A consultora falou à Folha por telefone de seu escritório em Nova Jersey (costa leste dos EUA). Acabava de chegar de uma jornada de seminários na Índia e preparava-se para viajar a São Paulo. Folha - Não existe uma palavra em português para "empowerment". Qual sua definição? Diane Tracy - O "empowerment" é uma via de duas mãos entre organização e indivíduo. Não é algo que a gerência dá aos funcionários. A decisão de se envolver é sempre do indivíduo. Implantar o "empowerment" é suprir as necessidades das pessoas para que elas possam atender as dos clientes e da empresa. Folha - Qual o impacto do "empowerment" em empresas? Diane - Nos EUA, "empowerment" é provavelmente a palavra mais usada e mal compreendida. Essa é uma das razões pelas quais temos tanta dificuldade em criar culturas organizacionais pautadas pelo "empowerment". Acabo de voltar da Índia. Há muito interesse pelo conceito lá porque ele é crítico para o crescimento e desenvolvimento das empresas. A Índia é um dos dez maiores mercados emergentes do planeta. O problema é que a maioria das empresas trabalha segundo um modelo que não funciona mais. Isso é semelhante ao que acontece nos EUA. Temos que encontrar novas formas de gerenciar pessoas para competir com sucesso. Folha - O que está acontecendo hoje nas empresas? Quando as necessidades básicas dos profissionais não são atendidas, eles trabalham de forma defensiva e não produtiva. A maioria das organizações utiliza uma pequena fração do potencial humano. Isso funcionou durante bom tempo. Mas hoje tudo está mudando. É por isso que as empresas estão sendo forçadas a abordar o assunto do "empowerment". 80% do que uma empresa faz poderia ser igualmente feito por qualquer outra empresa. Elas têm acesso às mesmas informações, recursos, tecnologias. A única base sobre a qual as organizações podem competir hoje são os outros 20%, que se referem às pessoas. Folha - O que atrapalha o "empowerment"? Diane - As regras implícitas, baseadas em medo e falta de confiança, como "o chefe está sempre certo", "o erro será punido". É curioso notar que elas existem em quase todas as empresas. Roubam das pessoas seu poder, as desmoralizam e as desanimam. Folha - Por onde se começa o processo de implantação? Tracy - O primeiro passo é dar às pessoas de alto a baixo na organização uma perspectiva sobre o que está acontecendo no mundo. Muitos estão tão perdidos que vêem iniciativas desenhadas para ajudar como obstáculos. Folha - Qual a próxima etapa? Diane - É desmistificar o "empowerment". Muitos gerentes acreditam que o conceito mais causa que resolve problemas. Mas "empowerment" não é entregar todo o controle aos funcionários. Trata-se, sim, de um aspecto crucial da qualidade. Ajudo os gerentes a compreender que não é possível fornecer produtos e serviços com qualidade a menos que as pessoas na organização tenham uma experiência profissional de qualidade e relações interpessoais de qualidade. Folha - A cultura da organização não é um obstáculo? Diane - Esse é o próximo passo. Ajudo os gerentes a ver como podem começar a transformá-la. Basicamente, a mensagem é que não se pode forçar a mudança. O que se pode fazer é criar condições para que a transformação ocorra. São as dez condições (veja quadro abaixo, à esquerda). A seguir, vem o treinamento. Mostro técnicas para criar um ambiente que faça as pessoas quererem ir trabalhar. Focamos em como satisfazer as necessidades das pessoas para que elas possam satisfazer as dos clientes. Folha - Como ficam os funcionários nesse processo? Diane - Trabalho com eles na fase do "auto-empowerment". Um dos principais objetivos é eliminar a mentalidade de vítima. Ajudo-os a compreender que têm o poder de mudar a forma como se relacionam com a empresa. É preciso que os funcionários percebam que têm tanta responsabilidade quanto os executivos. Folha - Isso é muito difícil de conseguir quando uma empresa está demitindo, não? Diane - Uma das formas é conseguir a satisfação intrínseca das pessoas, que elas mudem seu foco de realização da empresa para a sua própria carreira. Tento ajudá-las a assumirem a responsabilidade por si mesmas em vez de ficarem à disposição da empresa. Procuro encorajá-las a recriarem suas carreiras no contexto do trabalho que desenvolvem. Uma das queixas que ouço com frequência é que não há para onde ascender, uma vez que as empresas estão se achatando. Isso significa que a recompensa primária do profissional é a promoção. Mas há formas mais satisfatórias de obter um sentido de sucesso e orgulho no trabalho. As mudanças nas empresas proporcionam muitas oportunidades para sermos criativos. A necessidade de trabalhar em equipe exige que aprendamos novas técnicas, constantemente. Folha - E quais são elas? Diane - Técnicas de relacionamento interpessoal e de resolução de problemas são básicas. Gerentes devem se transformar em treinadores e facilitadores. Funcionários devem pensar mais como gerentes. Trabalhando em equipe, eles precisam tomar decisões que previamente eram domínio dos gerentes. Por exemplo: planejar, compilar informação, dar "feedback" uns aos outros, determinar padrões de desempenho. Folha - Como o "empowerment" se relaciona com outras iniciativas contemporâneas de administração, como a reengenharia, por exemplo? Diane - O "empowerment" está no centro de todas elas. Estamos falando de destravar o potencial humano, criar ambientes de trabalho nos quais as pessoas queiram dar o melhor de si. A melhor das iniciativas falhará se as pessoas não sentirem o "empowerment". Texto Anterior: CARTAS Próximo Texto: Evento aborda reengenharia Índice |
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