São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Fuzileiro conta sua volta ao Vietnã 25 anos depois

DON ROSS
DO "USA TODAY", NO VIETNÃ

Cheguei aqui pela primeira vez num jato, junto com outros 150 fuzileiros navais. Isso foi em 1969. A tarefa da qual fora incumbido: participar das operações }contra forças comunistas insurgentes na República do Vietnã.
Quase 25 anos mais tarde, estou de volta. A tarefa da qual fui incumbido desta vez é descrever a sensação de voltar a uma terra que marcou minha juventude.
Quando desembarquei aqui, em 1969, eu era apenas mais um dos quase meio milhão de americanos armados. Desta vez estou sozinho, armado apenas com uma câmera, um caderno e um computador.
Em 1969 eu tinha 21 anos –um pouco }velho numa guerra cujos combatentes eram, em sua maioria, adolescentes. Pesava 72 kg, era magro e capaz de acertar um alvo oito vezes em cada dez tentativas, com um rifle M-14 a uma distância de 450 metros.
Hoje, aos 46 anos, o ponteiro passa da marca dos 90 kg quando subo numa balança. Uso jeans tamanho GG, óculos bifocais e tenho dificuldade em enxergar a fivela do meu cinto.
Naquela época havia dois Vietnãs: o Vietnã do Norte e o do Sul. Hoje há apenas um Vietnã, uma nação à procura de seu nicho numa economia global.
Poucos meses antes de ser enviado para cá pela primeira vez, Richard Nixon foi empossado presidente dos EUA. Na minha viagem de volta ao Vietnã ele sofreu o derrame que causaria sua morte.
Enquanto os EUA reviviam a era Nixon em fitas e filmes, eu enfrentava novas imagens do país asiático que assumiu proporções tão grandes em nossas vidas.
Quando o avião fez sua primeira aproximação à pista de pouso do aeroporto de Hanói, vi um ciclista solitário num dique entre os arrozais. }Ótimo alvo para um artilheiro, flagrei-me pensando.
Na entrada do Museu do Exército, em Hanói, uma oficial me perguntou num tom arrogante como eu me sentia estando aqui. Ela usava muita maquilagem, fato que me causou estranheza. Senti uma vontade enorme de arrancar o sorriso desagradável de seu rosto.
Enquanto esperava num santuário nacional, em meio a um grupo de escolares, com as mãos nas costas, senti o toque de dedinhos de criança nos meus. Alguém havia aceito um desafio. Eu me voltei e vi sorrisos e risadinhas de seis lindas garotinhas.
Estava tudo acertado para uma visita a um hospital de veteranos em Hoi An. Mas eu já havia visto tantas pessoas sem braços ou pernas ou com cicatrizes nas ruas que não tive coragem de enfrentar um prédio inteiro de pessoas de corpos marcados. Cancelei a visita e me senti decepcionado comigo mesmo: um bom repórter teria ido.
Quando eu atravessava uma ponte sobre o rio Ben Hai, um jovem numa moto direcionou-a como se quisesse me atropelar, mas desviou-se à última hora. Fiquei congelado e depois me virei furioso, pronto a xingá-lo. Fiquei surpreso ao perceber como a hostilidade nascida da guerra ainda permanecia tão próxima à superfície.
Em Doc Mieu, um ex-Vietcong me contou como capturou um piloto americano cujo avião fora derrubado ali perto. O veterano, de barba grisalha, usava uma camiseta dos Chicago Bulls.
Nas semanas que antecederam minha partida, eu li guias turísticos e livros de viagem, estudei mapas e a história do Vietnã. Conversei com outros veteranos.
Depois de uma viagem cansativa e repleta de ansiedade de Washington a Bancoc, Tailândia, onde consegui o visto de entrada no Vietnã, cheguei em Hanói sentindo-me aliviado, emocionado e ansioso por começar minha visita.
Mas dois dias mais tarde eu estava preso por um pavor indefinível, que me tornou refém do meu quarto de hotel durante uma tarde inteira. Embora não houvesse qualquer motivo racional para isso, eu simplesmente não conseguia sair e andar em Hanói.
A mesma paralisia me atacou em Danang. Passei três horas deitado na cama, olhando para o teto. Finalmente, com grande esforço, me obriguei a sair.
Nada do que eu havia lido ou ouvido antes de vir para cá me preparara para as emoções que eu iria viver e várias vezes me senti numa montanha-russa emocional.
Em várias ocasiões eu me vi, como anotei em meu diário, }à beira das lágrimas. Mas em muitos outros momentos eu me esforçava para conter risadas. Ou então lutava contra uma depressão repentina, tentava controlar minha raiva, fazia piadas com alguém ou fazia força para não sentir saudades de casa.
No entanto, além desses sentimentos transitórios, o que mais me marcou nessa viagem foi o cordialidade e a simpatia com que os vietnamitas me receberam.
É verdade que eles estão ansiosos por investimentos americanos e o reatamento das relações diplomáticas com os EUA. Assim, não é pequena a motivação econômica por trás de seus braços abertos. Mas se existe qualquer raiva ou hostilidade latente em relação aos Estados Unidos, ela também fica bem escondida.
Quando eu contava às pessoas que havia combatido na guerra, suas reações variavam entre sorrisos levemente perplexos dos mais jovens e expressões de compreensão das pessoas que faziam parte da geração que viveu a guerra.
Metade da população do país, de mais de 70 milhões, é jovem demais para se lembrar da Guerra Americana, como é conhecida por aqui. Entre aqueles que a viveram, a atitude expressa predominante é: a guerra terminou há muito tempo. É hora de pensar no futuro.
A palavra }americano quase sempre provocava sorrisos. Os vietnamitas adoram mostrar seus conhecimentos de inglês.
Eles também têm enorme curiosidade em relação aos EUA. Vários vietnamitas me convidaram a ir a suas casas. Eles são anfitriões hospitaleiros e generosos.
Uma coisa que ficará gravada para sempre em minha memória foi um encontro com o dono de uma mercearia em Hanói.
Ao descobrir que eu era americano, ele sorriu abertamente. Primeiro afastou suas mãos e depois as uniu com força. }América, Vietnã, disse ele. }Um dia daqui a pouco amigos, sim?
Tradução de Clara Allain

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