São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Uma estratégia para o real

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

O plano de estabilização, a partir de agora, não é mais exclusividade do governo, mas de toda a sociedade. A circulação do real nos obriga a dividir responsabilidades e a assumir não só as vantagens da nova situação econômica, mas também os riscos.
Sem prejuízo do apoio que deve ser dado –por ser um conjunto de medidas de combate à inflação e suas consequências– é saudável colocar algumas preocupações, já que nos omitir contraria o espírito de toda e qualquer participação.
Sabemos que o combate à inflação é básico para evitar distorções, como a impossibilidade de se fazer planejamento, a falta de crédito a curto e longo prazo, a escassez dos investimentos e a transferência forçada de renda de quem não pode se proteger para quem tem acesso aos mecanismos financeiros.
Há principalmente dificuldades para dimensionar custos e preços, obrigando as empresas a trabalhar com margens de segurança às vezes exageradas, o que se reflete negativamente na ponta do varejo.
Nunca é demais lembrar que a inflação não é obra dos empresários, mas resultado da gestão da política econômica. Nos países desenvolvidos, não existe congelamento de preços e a moeda é estável.
Com uma inflação baixa, fruto de uma administração eficiente do plano, será possível, por exemplo, manter o câmbio fixo sem prejuízo das exportações. Um desajuste nessa área poderia complicar a balança comercial.
As providências do governo, que foram discutidas previamente com a sociedade, procuram cortar desdobramentos nocivos da inflação sem violentar a economia de mercado. Mas essas qualidades não são suficientes para garantir o sucesso do plano.
É fundamental que haja rigor do Executivo nas contas públicas e controle efetivo sobre a nova moeda por parte do Banco Central para que todo o esforço dispendido não signifique mais uma frustração de expectativas.
Também será necessário implementar reformas estruturais para que o plano tenha plena eficácia a longo prazo. Só uma reforma tributária, por exemplo, poderá eliminar uma perspectiva sombria para a cadeia produtiva. Pois, mesmo que a partir de agora o governo mantenha juros reais baixíssimos nos papéis públicos, a cunha fiscal vai obrigar as empresas a arcar com juros de 15% ao ano. Sabendo-se que atualmente eles são de 26% reais ao ano, vemos que continuaremos com problemas, apesar de todas as medidas saneadoras.
Para garantir o sucesso destes primeiros passos, o governo dispõe de instrumentos poderosos que devem ser acionados de maneira lúcida e responsável.
Domínio sobre o câmbio e as tarifas públicas, ausência de uma rígida política salarial e alguns acordos com setores mais atuantes da cadeia produtiva são trunfos importantes para colocar a economia nos eixos a curto prazo.
Com a estabilização, os preços tornam-se mais transparentes, o que vai impulsionar a concorrência e beneficiar a implementação dos ganhos internos de eficiência.
A indústria já está preparada para um possível aumento da demanda, graças à reestruturação dos últimos anos, com saltos significativos em produtividade. Mas espera-se que não haja uma explosão de consumo como aconteceu, por exemplo, na época do Plano Cruzado.
O importante é que será possível, novamente, planejar com mais segurança, postura que deve ser extensiva ao governo. Uma empresa está obrigada a traçar sua ação estratégica a partir do seu orçamento, mesmo estando sujeita a todos os meandros da administração da política econômica.
Fica portanto estranho verificar que, em ano eleitoral, o Orçamento da União para o exercício de 1994 ainda não foi aprovado. Essa prática é que deve ser erradicada definitivamente da gestão econômica, sob pena de repetirmos os mesmos velhos erros do passado.
Os candidatos para as próximas eleições devem ser bastante claros sobre suas providências futuras para que o plano de estabilização dê certo a médio e a longo prazo. A ninguém mais é permitido fazer acusações contra as medidas que já estão em vigor.
Assim como não é mais possível colocar-se contra a moeda nacional, é também muito cômodo denunciar eventual caráter eleitoreiro de uma situação que já é realidade nas rotinas de sobrevivência da população.
É hora de encarar o real como definitivo. E de lutar para que a estratégia econômica não se volte, mais uma vez, contra a própria nação.

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