São Paulo, terça-feira, 5 de julho de 1994
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Encargos sociais

JOSÉ PASTORE

O professor Edward Amadeo em artigo nesta Folha ("O consenso sobre encargos trabalhistas", 4/6/94) expressou o seu inconformismo com o consenso nacional sobre o fato de os nossos encargos sociais serem altos. Reexaminemos o assunto.
No Brasil, as empresas recebem dos seus funcionários uma contribuição produtiva durante o tempo trabalho. E pagam por ela. Além disso, as empresas pagam o tempo não trabalhado e as obrigações de caráter social (Previdência, FGTS, salário educação, acidentes do trabalho etc.).
Os encargos sociais referentes a estes itens vêm das Constituição e CLT. São todos compulsórios e representam custos fixos para quem paga o ônus e benefícios fixos para quem recebe o bônus. Grosso modo, eles representam 102% do salário (ver quadro).
Portanto, quando a empresa contrata um trabalhador por 100 unidades de salário, ela sabe que desembolsará 202. Na realidade, é mais do que isso pois o quadro deixa de incluir despesas que ocorrem em casos especiais como os adicionais por insalubridade, periculosidade e penosidade assim como as licenças e ausências: paternidade (cinco dias), alistamento militar (de um a sete dias), alistamento eleitoral (dois dias), casamento (três dias), óbito (dois dias) e doação de sangue (um dia). A conta vai longe.
Tudo isso vem de um quadro legal inflexível e cai dentro de um clima de confrontação entre empregados e empregadores. O descumprimento no pagamento de qualquer desses itens dispara uma longa batalha judicial. Não é à toa que o Brasil tem quase 2 milhões de ações trabalhistas enquanto que o Japão, que possui uma força de trabalho quase do tamanho da nossa, tem apenas 1.000. Sim, 1.000!
Quando se misturam no mesmo mercado de trabalho o peso dos encargos sociais, o clima de confrontação, a inflexibilidade da lei, a interferência da Justiça do Trabalho e, adicionalmente, a baixa qualificação da nossa mão-de-obra é fácil entender porque muitas empresas só contratam legalmente quando sentem segurança em poder vender –e por um preço compensador– o que vai ser produzido.
Caso contrário, elas evitam esses custos fixos e apelam para o mundo da informalização, onde as diferenças econômicas e sociais em relação ao mercado formal são brutais.
A maioria dos nossos legisladores não perde a oportunidade de regulamentar o que precisa ser desregulamentado, desconsiderando as suas consequências.
Depois da Constituição cidadã, que elevou o custo total do trabalho em mais de 30%, a proporção do emprego formal no Brasil caiu de 55,4% em 1985 para 45,8% em 1992 enquanto que a do emprego informal subiu de 44,7% para 54,1% –e continua aumentando (Prealc, Newsletter, nº 32, 1993).
É fato notório que, nos últimos cinco anos, os camelôs e o comércio ilegal espalharam-se pelas cidades brasileiras como um verdadeiro rastilho de pólvora.
Os nossos encargos sociais são altos até mesmo para os padrões da América Latina. Por exemplo, no México, o período de férias é de 6 dias anuais, adicionando-se 2 dias a cada ano até chegar a 12 dias. Depois disso, aumentam-se dois dias a cada cinco anos. Aos 30 anos de serviço, chega-se a 22 dias. No Chile, são 15 dias até 10 anos na mesma empresa. Depois disso, adiciona-se um dia a cada três anos! No Brasil, são 30 dias, mais 10 pagos em dinheiro, desde o primeiro ano.
Ou seja, em dez anos, uma empresa chilena paga 150 dias a título de férias enquanto que uma brasileira paga 400 dias! E o professor Amadeo não sabe porque há tanto consenso sobre o fato de os nossos encargos serem altos e rígidos...
O mesmo vale para os feriados. Em relação ao trabalho do "Economist Pocket Diary", citado pelo professor, que registra números diferentes de feriados para Hong Kong e Japão, devo dizer que também gosto muito de todas as publicações daquela revista.
Mas, depois do seu "Pocket World in Figures", de 1991, ter "deslocado" o rio Lena da Rússia para a América do Sul (página 13) resolvi conferir as suas informações com outras fontes, especialmente sobre os feriados de cada país.
Não é preciso muita ginástica para mostrar que nossos encargos sociais são altos e, sobretudo, rígidos. Eles decorrem de leis que não permitem a livre negociação e que inibem a troca de ganhos reais por produtividade –o que é fundamental para o avanço da negociação sadia.
O atual cipoal legal trabalhista vem causando um grande mal-estar no país: a empresa paga muito, o trabalhador ganha pouco e os benefícios são péssimos.
É preciso lembrar que os trabalhadores também pagam sua parte ao INSS e que recursos seus –FGTS– são engolidos pela burocracia estatal.
Se fosse possível aos empregados e empregadores reterem uma parte dos encargos –muitos dos quais o professor Amadeo chama de "salários" indiretos– para tocar suas próprias escolas, ambulatórios, hospitais e até mesmo uma previdência complementar, tudo seria feito a um custo bem mais baixo e com muito maior eficiência.
Os empresários e empregados do ramo de papel em São Paulo, por exemplo, fundaram e administram um hospital de 220 leitos que custa, em média, apenas 10% do que a empresa recolhe para o INSS.
Ou seja, tão importante quanto reduzir encargos –ou mais importante!– é mudar o modo de usá-los. Mas à luz da dominante cultura do corporativismo e do doentio "garantismo legal", tudo isso é sonho.
A Constituição, a CLT e a Justiça do Trabalho não admitem negociar encargos. Elas obrigam as partes a se acomodarem a um sistema ultrapassado que se baseia muito mais na legislação do que na negociação; mais no julgamento do que no entendimento –numa quadra em que o mundo se encolhe, a economia se globaliza e tudo é feito com uma velocidade alucinante que exige mecanismos de ajustamento rápido do lado dos agentes econômicos.
É imperioso flexibilizar. Mas, flexibilizar civilizadamente.

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