São Paulo, terça-feira, 5 de julho de 1994
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O consumidor e a moeda forte

LUÍS NASSIF

Os primeiros dias de implantação do real revelam uma surpreendente rapidez dos consumidores em se adaptar à noção de moeda forte.
O desprezo pelos trocados, a impotência em relação aos preços, cedeu lugar instantaneamente à noção de valor dos produtos, demonstrando de maneira irretorquível que a indisciplina é marca de governo e de setores privilegiados –não característica cultural de um povo.
Os exemplos foram colhidos à exaustão neste final de semana. Cinemas que puxaram os preços do ingresso ficaram às moscas. Comerciantes que tentaram aumentar a margem se transformaram em colecionadores de estoques, com o custo de carregamento comendo-os pela borda.
Os depoimentos levantados pela imprensa em diversos supermercados revelavam consumidores assustados com o nível dos preços, mas dispostos a resistir aos especuladores.
Nas próximas semanas se saberá se essa nova postura é permanente, ou mero efeito inicial do real. E revelam de maneira firme que, não fossem os desequilíbrios cometidos pelos governos, o fim da inflação chegaria rapidamente.
Inflação oculta
Alguns economistas respeitados sugerem que nessa mudança de moedas, com os índices refletindo a inflação em cruzeiros reais de junho e em reais de julho, não seria possível captar a aceleração de preços dos últimos dias de junho.
A não ser que apresentem algum cálculo ou raciocínio que passou despercebido da coluna, não há base técnica para este suspeita.
A inflação de junho será o denominador dos preços do mês, na hora da conversão para URV (para poder compará-los com os preços em reais). Ou seja, todos os preços levantados em junho serão divididos pela URV do dia da coleta, para efeito da comparação com julho.
Se a inflação de junho for subestimada, a diferença será captada em julho.
Imagine-se o seguinte exemplo:
Momento 1 - no início de junho o preço A custava CR$ 20.000 e a URV, CR$ 2.000. Logo, o preço saía por 10 URVs.
Momento 2 – na última semana de junho, o preço A subiu para CR$ 30.000 e a URV para apenas CR$ 2.500. O preço A passou a valer 12 URVs nesse período de aceleração de preços.
Como a aceleração deu-se na última semana de junho, não entrou na inflação do mês. Em compensação, na hora de medir a inflação de julho (em real) o numerador será o novo preço de R$ 12 e o denominador o preço antes da alta, de 10 URVs. Portanto, a alta será plenamente captada pela inflação de julho, em real.
Chuva seletiva
Em suas entrevistas ou artigos, o ex-ministro Mário Henrique Simonsen é um oásis de pensamento cartesiano, erudição e didatismo. Por isso mesmo, não dá para entender suas análises sobre as presumíveis perdas com os resíduos da inflação de junho.
Para os assalariados, Simonsen não vê perda alguma, porque a inflação de junho, se não mediu os últimos 15 dias do mês, por sua vez já trazia consigo 15 dias de maio. Perdeu-se apenas na aceleração.
Para o setor financeiro, Simonsen não tem dúvidas em afirmar que houve perdas com o expurgo dessa inflação residual.
Lembra a velha piada do mordomo e a chuva. "Vamos ter chuva", comenta o mordomo. "Vamos, não. Você terá a sua e eu a minha", rebate o patrão.
A chuva de Simonsen é seletiva.
Justiça
O primeiro "round" da batalha judicial em torno do artigo 38 da MP do real (que extirpa o resíduo inflacionário de junho) foi vencido pelo governo. A juíza federal, Tânia Marangoni, negou minimizar contra o artigo, sustentando que questões de constitucionalidade devem ser apreciadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal.

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